Há dias que
fazem com que tudo valha a pena…
Um dia destes acabei o meu trabalho com vontade de ir
buzinar para o marquês ou para os aliados e talvez abrir uma garrafa de um bom
espumante. Mas não fui… Estou longe desses “centros” e se tivesse ido
provavelmente seria tomado por louco.
Sou Vigilante da Natureza a trabalhar para o Instituto da
Conservação da Natureza das Florestas (ICNF), no Parque Natural do Douro
Internacional (PNDI). Nesse dia tive a oportunidade de ter o “objeto” do meu
trabalho nas minhas mãos. Realizei junto com outros colegas e colaboradores, a
marcação de uma cria de Abutre-negro, com uma anilha de identificação e um
emissor GPS. Foi a primeira vez que se fez esta operação no PNDI, quem já tenha
visitado esta região e conheça as arribas do Douro consegue imaginar o desafio
que esta operação acarretou.
Esta ave tem em Portugal um estatuto de conservação de
Criticamente em Perigo. No entanto, fruto do trabalho invisível e muitas vezes
mal compreendido de conservação da natureza, esta espécie tem vindo a melhorar
a sua situação, e desde 2012 que se verificou a instalação de um casal desta
espécie no PNDI. Desde então que tenho dedicado em conjunto com os meus colegas
Vigilantes da Natureza algum do meu tempo ao acompanhamento deste casal, bem
como na identificação de possíveis ameaças e a minimizá-las. Ao longo dos
últimos 8 anos de trabalho foram vários os momentos altos, como a confirmação
do voo de cada cria, a descoberta de um novo casal a tentar reproduzir-se na área
em 2018, assim como as várias observações que se registam ao longo da região e
que confirmam a presença de cada vez mais animais desta espécie. Mas também
houve momentos tristes. Em 2017 um incêndio varreu as arribas e apanhou a cria
desse ano a dias de começar a voar. Posteriormente confirmou-se que a cria
morrera carbonizada no ninho.
Este ano vai ser o primeiro em que desta nova colónia vão
voar duas crias. Só isto seria motivo de júbilo mas tivemos a sorte de ter tido
a possibilidade de marcar estas crias e colocar-lhes um emissor GPS com o apoio
da Associação Transumância e Natureza (ATN), e da Vulture Conservation
Foundation (VCF). Esta tecnologia vai-nos possibilitar saber que caminhos vão
tomar estes dois indivíduos.
Tudo isto é resultado de um trabalho árduo na sensibilização
das populações locais e visitantes para a importância da conservação da
natureza, senso lato. A harmonização das várias atividades económicas e as expectativas
para um território despovoado com os objetivos impressos nas convenções
internacionais assumidas por Portugal na área da conservação da natureza, são
ideias que ficam muito bem no papel. Contudo o desafio de responder a esta
premissa em cada situação concreta é o desafio que encaro a cada dia de
trabalho e comigo todos os Vigilantes da Natureza.
Hoje é também o Dia Internacional dos Vigilantes da
Natureza, é o dia para lembrar a dedicação com que estes profissionais abraçam
cada desafio e o brio que põem na defesa do dito “uso sustentável dos recursos
naturais”. Mas não posso deixar de lembrar igualmente a irrelevância a que
muitas vezes são votados estes profissionais seja por parte da sociedade de uma
forma geral seja pelas próprias tutelas políticas. Em Portugal, os Vigilantes
da Natureza além do trabalho de fiscalização das várias normas que defendem o
nosso património natural, o trabalho mais visível, também fazemos o
acompanhamento do estado de conservação de vários elementos da biodiversidade,
como espécies, habitats, paisagens e monumentos naturais. A par de tudo isto a
educação ambiental e a sensibilização para o valor dos recursos naturais estão
em todas as nossas ações. Enquanto Vigilante da Natureza mas também enquanto
cidadão gostava que esta carreira fosse mais acarinhada e valorizada.
Um forte abraço de alento para todos os meus companheiros em
todo o mundo.
João Tiago Ferreira Nunes
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