quinta-feira, 30 de julho de 2020

Há dias que fazem com que tudo valha a pena…



Há dias que fazem com que tudo valha a pena…

 

Um dia destes acabei o meu trabalho com vontade de ir buzinar para o marquês ou para os aliados e talvez abrir uma garrafa de um bom espumante. Mas não fui… Estou longe desses “centros” e se tivesse ido provavelmente seria tomado por louco.

Sou Vigilante da Natureza a trabalhar para o Instituto da Conservação da Natureza das Florestas (ICNF), no Parque Natural do Douro Internacional (PNDI). Nesse dia tive a oportunidade de ter o “objeto” do meu trabalho nas minhas mãos. Realizei junto com outros colegas e colaboradores, a marcação de uma cria de Abutre-negro, com uma anilha de identificação e um emissor GPS. Foi a primeira vez que se fez esta operação no PNDI, quem já tenha visitado esta região e conheça as arribas do Douro consegue imaginar o desafio que esta operação acarretou.

Esta ave tem em Portugal um estatuto de conservação de Criticamente em Perigo. No entanto, fruto do trabalho invisível e muitas vezes mal compreendido de conservação da natureza, esta espécie tem vindo a melhorar a sua situação, e desde 2012 que se verificou a instalação de um casal desta espécie no PNDI. Desde então que tenho dedicado em conjunto com os meus colegas Vigilantes da Natureza algum do meu tempo ao acompanhamento deste casal, bem como na identificação de possíveis ameaças e a minimizá-las. Ao longo dos últimos 8 anos de trabalho foram vários os momentos altos, como a confirmação do voo de cada cria, a descoberta de um novo casal a tentar reproduzir-se na área em 2018, assim como as várias observações que se registam ao longo da região e que confirmam a presença de cada vez mais animais desta espécie. Mas também houve momentos tristes. Em 2017 um incêndio varreu as arribas e apanhou a cria desse ano a dias de começar a voar. Posteriormente confirmou-se que a cria morrera carbonizada no ninho.

Este ano vai ser o primeiro em que desta nova colónia vão voar duas crias. Só isto seria motivo de júbilo mas tivemos a sorte de ter tido a possibilidade de marcar estas crias e colocar-lhes um emissor GPS com o apoio da Associação Transumância e Natureza (ATN), e da Vulture Conservation Foundation (VCF). Esta tecnologia vai-nos possibilitar saber que caminhos vão tomar estes dois indivíduos.

Tudo isto é resultado de um trabalho árduo na sensibilização das populações locais e visitantes para a importância da conservação da natureza, senso lato. A harmonização das várias atividades económicas e as expectativas para um território despovoado com os objetivos impressos nas convenções internacionais assumidas por Portugal na área da conservação da natureza, são ideias que ficam muito bem no papel. Contudo o desafio de responder a esta premissa em cada situação concreta é o desafio que encaro a cada dia de trabalho e comigo todos os Vigilantes da Natureza.

Hoje é também o Dia Internacional dos Vigilantes da Natureza, é o dia para lembrar a dedicação com que estes profissionais abraçam cada desafio e o brio que põem na defesa do dito “uso sustentável dos recursos naturais”. Mas não posso deixar de lembrar igualmente a irrelevância a que muitas vezes são votados estes profissionais seja por parte da sociedade de uma forma geral seja pelas próprias tutelas políticas. Em Portugal, os Vigilantes da Natureza além do trabalho de fiscalização das várias normas que defendem o nosso património natural, o trabalho mais visível, também fazemos o acompanhamento do estado de conservação de vários elementos da biodiversidade, como espécies, habitats, paisagens e monumentos naturais. A par de tudo isto a educação ambiental e a sensibilização para o valor dos recursos naturais estão em todas as nossas ações. Enquanto Vigilante da Natureza mas também enquanto cidadão gostava que esta carreira fosse mais acarinhada e valorizada.

Um forte abraço de alento para todos os meus companheiros em todo o mundo.

João Tiago Ferreira Nunes


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