domingo, 29 de novembro de 2009

A segunda vida do caimão (Porphyrio porphyrio)

A drenagem das zonas húmidas, a caça e a depradação por animais domésticos quase o levaram à extinção. Há 20 anos já só existiam 10 casais. Mas o abandono dos campos e a reprodução em cativeiro fizeram renascer o caimão (Porphyrio porphyrio) . Hoje pode ser visto do Algarve ao Mondego.

Tem nome de réptil, mas é uma ave. O caimão é, entre os birdwatchers, uma dádiva da natureza. Não só pela espectacularidade da sua plumagem azul a contrastar com um apelativo bico e patas vermelhas. Mas também porque a sua história recente revela como logrou fintar o destino, ganhando asas para o renascimento. Em finais do século XIX a espécie mergulhou numa fragmentação que a ameaçava condenar à extinção.

É nas zonas húmidas da costa portuguesa que o caimão iniciou uma espécie de "segunda vida", que ganhou especial ênfase a partir da década de 90 do século passado. Até há 100 anos, esta ave tinha uma ampla distribuição em Portugal, entre o Algarve e o Baixo Mondego, mas a mão humana revelou-se cruel para espécie, destruindo o habitat . A drenagem e conversão das zonas húmidas em campos de cultivo e a construção de espaço turísticos, aos quais se juntou a caça, a poluição e predação de crias por parte de animais domésticos, quase "assinaram a sentença de morte" do caimão. Chegou mesmo a ser uma das aves mais raras no território nacional.

Ainda assim, viria a sobreviver discreta ao longo de um século, mantendo-se confinada ao Algarve. Uma estimativa feita entre 1978 e 1984 apontava para a existência em Portugal de aproximadamente 15 casais, que seriam reduzidos de cinco a dez em 1989. As principais ameaças ao caimão ainda existem, afectando perto de 30% da população.

Mas foi quando a contagem decrescente se afigurava imparável que se inverteu a tendência. Decorria a década de 90. A crise agrícola, em alguns casos, levou os proprietários das terras a abandonarem algumas práticas nos campos de cultivo, o que terá aberto portas ao regresso do caimão a lugares por onde tinha deixado de ser visto.

Por outro lado, o facto de ser uma espécie vulnerável - embora não seja protegida - terá dado um contributo decisivo para a manter afastada da mira dos caçadores. A recolonização não se fez esperar, sendo que hoje mesmo a espécie já ocupa quase toda a sua antiga área de distribuição, com um total estimado em cerca de 250 indivíduos adultos. Em 2002, a população nidificante em Portugal rondava já 49 a 67 casais. Segundo os técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade, o principal "sinal de retoma" esteve associado ao facto de a sua distribuição se ter voltado a desenvolver de sul para norte.

Aliás, o caimão confirmou-se com o estatuto de reprodutor em 14 locais, continuando o Algarve a merecer a preferência da espécie, com nove sítios, seguido da costa alentejana, com três, um no vale do Tejo e três no Baixo Mondego, onde a actual população resulta de um projecto de criação em cativeiro iniciado em 1999, quando a espécie estava extinta nesta zona.

De acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados, 65% da população reprodutora de caimões encontram-se no interior de zonas de protecção especial (ZPE) ou áreas protegidas, enquanto os outros 35% se distribuem por quatro áreas "sem qualquer estatuto de protecção", para as quais é reclamada protecção legal que contemple a sobrevivência da espécie. Aliás, Portugal criou mesmo um Plano de Acção Nacional para o Caimão, mas o Livro Vermelho alerta para a necessidade de o plano ser efectivamente implementado no terreno.

"Essencial" é a elaboração e implementação de planos de gestão para as ZPE em que o caimão ocorre e a revisão dos planos existentes "que ainda não incluem acções necessárias à conservação da ave e do seu habitat." Sem esquecer a manutenção do programa reprodução em cativeiro.

Fonte: Diário de Notícias

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