Nasce fêmea, mas com passar dos anos, muitos transformam-se em machos e são pais exemplares, pelo menos até à eclosão dos ovos. Só em Portugal são conhecidas 16 espécies de bodião.
O bodião é um dos peixes mais curiosos nas águas portuguesas. O facto de ser uma espécie "hermafrodita protogínica", só por si, já lhe confere um estatuto peculiar. Todos os bodiões nascem fêmeas, mas acabam por mudar de sexo entre os quatro e os 14 anos. É após este fenómeno mutante que a espécie está habilitada a construir ninhos circulares de algas, executando fendas, onde uma ou mais fêmeas hão-de depositar os ovos.
É aqui que o instinto paternal deste solitário dos mares assume proporções quase exacerbadas. "É uma espécie que segue os cuidados parentais. Fica a defender o ninho, tomando conta das posturas até à sua eclosão", refere a bióloga Dinah Sobral, do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB).
Aliás, a forma destemida que o bodião deposita na defesa das posturas, levando-o a não aban-donar o local mesmo em caso de ameaça extrema, fez com que as associações de pesca submarina alertassem os praticantes para que antes de dispararem o arpão sobre esta espécie procurem verificar se o exemplar estará a guardar algum ninho. Sobretudo se o mergulho se realizar nos meses da Primavera, quando o bodião entra em fase de reprodução.
De resto, não é por acaso que no portal do Departamento de Oceanografia e Pescas o bodião é, inclusivamente, apontado como o principal exemplo do que deve ser o "respeito pelos elementos regeneradores das zonas exploradas", sendo sublinhado que um disparo em tempo de reprodução "poderá estar a interferir injustamente com uma espécie".
O departamento alerta os praticantes que, "por muito que o mergulhador seja inapto, estes animais não irão abandonar o seu ninho e a sua descendência. Manter-se-ão lá e lutarão para defender a sua prole, sem imaginar que são incapazes de se defender contra um arpão".
Já em terra, são os próprios pescadores desportivos que atestam a parca inteligência do bodião, movida pelo seu instinto voraz. É a gula pelo isco - seja ele qual for - que o leva a ficar, regularmente, preso nos anzóis, sobretudo durante o dia, quando se mostra uma espécie bastante activa na procura de alimento. Os juvenis fazem-no nas zonas de maré, com profundidade reduzida, mas os adultos chegam a atingir profundidades até aos 25 metros na procura de crustáceos, molusco e peixes mais pequenos.
Diz quem sabe que o bodião não resiste ao chamariz de uma minhoca coreana a agitar-se no anzol ou ao cheiro do casulo e do lingueirão, acabando por ver abruptamente interrompida a sua esperança média de vida, que pode durar até aos 29 anos.
"Para um peixe, estamos a falar de uma idade bastante avançada", acrescenta Dinah Sobral, garantindo que, apesar de ser presa aparentemente fácil de enganar, se trata de uma espécie que não está ameaçada.
"Há muito bodião na nossa costa, principalmente, porque não é alvo de grandes pescarias. Como não tem valor comercial, os pescadores profissionais nunca fizeram pescarias dirigidas a esta espécie", admite a bióloga do ICNB.
Só em Portugal existem nada menos de 16 espécies de bodiões, algumas bastante grandes; outras minúsculas. Espécie sedentária, das mais comuns nas águas portuguesas, concentra-se, essencialmente, nas zonas resguardadas, onde predominam rochas ou ervas marinhas, desde que a profundidade não vá além dos 25 metros.
Solitário e extremamente territorial, o bodião não é um nadador muito rápido, já que as suas barbatanas são pouco desenvolvidas. E são os olhos o que mais se destaca na sua morfologia, apresentando-se salientes, sobre uma boca pequena, que, claramente, destoa em proporção ao resto do corpo, revestido por pequenas e finas escamas.
Porém, não é pela ausência de valor comercial que deixamos de estar na presença de um peixe cada vez apreciado pelos consumidores, que começa a surgir nas ementas de alguns restaurantes, mesmo dos ditos "mais requintados", que apresentam o bodião como um peixe macio e bastante gostoso, que pode ser servido frito, assado ou cozido. Nas bancas dos mercados a sul do Tejo é cada vez mais comum vê-los em cima da pedra. O preço do quilo varia entre os cinco e os sete euros. Todos capturados à linha, a qualquer altura do ano junto de pontões, cais ou muralhas. Seja à bóia ou ao fundo.
Fonte: Diário de Notícias
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