segunda-feira, 1 de março de 2010

Temporal na Madeira é "mais um sinal de um mundo que está em mudança"

Portugal “vai viver muito as alterações climáticas” e a violenta tempestade na Madeira é apenas mais um sinal de uma tendência global, defende António Baptista, director do centro norte-americano de Ciência e Tecnologia para a Observação de Margens Costeiras.

“Nenhum evento por si próprio é sinal de alterações climáticas. Não foi a primeira vez que aconteceu [uma tempestade na Madeira]. Há registos idênticos de há 30 ou 40 anos. Pode sim observar-se um conjunto vasto [de fenómenos] dos últimos anos (...) que representa um mundo que está em mudança”, disse António Baptista em entrevista à Lusa nos Estados Unidos.

Outros fenómenos invulgares nas zonas costeiras são o aparecimento de tipos de peixes em zonas onde historicamente não têm presença ou até a morte inexplicável de grande quantidade de espécimes.

“Quando posto num contexto de vários eventos extremos que estão a acontecer, temos indicação de que há mudança. (...) Faz sentido dizer que há mudanças profundas, mas não sabemos quais são”. As causas, afirma, estão lá: os gases com efeito de estufa estão a aumentar, o que tem influência directa na radiação solar e na temperatura. “Há causas básicas de mudança, estamos a ver os efeitos e temos de percebê-los”, disse.

Residente há mais de 20 anos nos Estados Unidos, e com fortes laços com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) português, Baptista foi um dos oradores do Encontro de Ciências do Oceano, que decorreu na semana passada em Portland, Estados Unidos.

Formado em engenharia civil na Academia Militar, fez mestrado e doutoramento no Massachussetts Institute of Technology nos anos 1980 e hoje é professor na Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, além de diretor do centro para as zonas costeiras.

Pelas características geográficas - uma grande costa em relação à área total - Portugal “deve ser olhado como indicador” do impacto das alterações climáticas nas zonas costeiras, a nível internacional, acredita Baptista.

“As mudanças serão significativas, só não se pode saber quais”, afirmou o investigador.

Noutros pontos do planeta, os dados recolhidos apontam para maior variabilidade e maior frequência de ocorrência de tempestades, mas por enquanto “é difícil provar qual vai ser a mudança”.

“Não é possível voltar ao passado nas zonas costeiras. É preciso antecipar agora, tomar as medidas necessárias para ter zonas saudáveis, que permitam aos animais ser saudáveis e aos homens também. Não há ambiguidade ou dúvida. É profunda e irreversível a mudança”, afirma.

“Pode discutir-se qual é a grandeza das mudanças climáticas a nível global, mas não há dúvida de que os gases com ‘efeito de estufa’ estão a aumentar de forma espetacular. (...) A questão agora não é julgar a sociedade pelo que fez para que chegássemos a isto, mas olhar para o futuro e perceber o que fazer para gerir melhor os recursos”.

Investigador português nos EUA lidera projecto inovador de monitorização da costa

Um projecto inovador do centro norte-americano de Ciência e Tecnologia para a Observação de Margens Costeiras, liderado pelo português António Baptista, pretende acompanhar em tempo real o comportamento, cada vez mais imprevisível, dos ecossistemas costeiros.

“O Centro foi criado com a premissa de que há hoje uma necessidade chave de ter melhor conhecimento das zonas costeiras e de poder tê-la disponível de forma útil. Mas envolve uma série complicada de desafios”, disse Baptista em entrevista à Lusa.

Sobretudo, afirma o professor da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, as alterações climáticas e a acção humana sobre os ecossistemas costeiros faz com que hoje estes se comportem de uma maneira que os cientistas têm dificuldade em perceber.

A resposta pode passar pelo desenvolvimento de processos científicos para zonas costeiras com base num novo tipo de tecnologias, chamadas “collaboratories”.

Estas permitem que as observações feitas no terreno sejam disponibilizadas em tempo real aos investigadores e grupos envolvidos, através de uma central de transmissão de dados.

“A integração de sensores, modelos computacionais e tecnologias de informação e pessoas é um conceito que tem estado a ganhar força. Temos sido pioneiros no meu centro, que mantém colaborações com diversas universidades, vários parceiros académicos, empresariais e do próprio Estado” norte-americano.

O rio Columbia, o maior do noroeste dos Estados Unidos, que faz a fronteira entre estados de Washington e Oregon e desagua no Oceano Pacífico, tem sido cenário de pesquisas.

A equipa de António Baptista dispõe de um sistema piloto com estações de observação que recolhem informação em tempo real sobre níveis, correntes e mesmo de nutrientes ou quantidade de carbono, “indicadores de mudança profunda das zonas costeiras”.

Têm sido diversos os fenómenos atípicos registados na área: desde o declínio dos cardumes de salmão ao aparecimento de chocos, que acabaram por entrar temporariamente na dieta dos ursos. “Foi surpreendente do ponto de vista dos ecossistemas. Até há 10 anos não se viam chocos nestas paragens”, afirma Baptista.

“Todos estes processos têm de ser estudados para permitir antecipar em vez de reagir”, afirma.


Fonte: LUSA

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