Na última década, mil fogos queimaram 40 mil hectares de áreas prioritárias para a Natureza, especialmente no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Há tesouros naturais que não têm tempo para recuperar de incêndios cada vez mais intensos e frequentes.
No coração de cada área protegida há uma zona considerada prioritária para a conservação da natureza. Nela estão guardados refúgios selvagens e as verdadeiras relíquias. Aqui, a terra queimada dos incêndios é difícil de esquecer, a regeneração demora mais tempo.
Nas serras do Parque Nacional da Peneda-Gerês, - nos distritos de Viana do Castelo, Vila Real e Braga - arderam no ano passado 6300 hectares de área prioritária – área equivalente a seis mil campos de futebol.
As chamas chegaram a uns dos últimos bosques maduros do país com árvores centenárias, algumas com 500 anos, como carvalhos, azinhos, teixos, azereiros e pinheiros-silvestres, uma das relíquias do parque.
A regeneração de árvores centenárias demora tempo. “Há situações em que é preciso esperar centenas de anos, sem novos incêndios, para voltarmos a ter os mesmos valores naturais”, diz Lagido Domingos, director do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas do Norte.
Nem sempre o fogo tem impactos negativos e a capacidade de regeneração natural pode mesmo surpreender, especialmente em florestas novas e em zonas de matos. Mas há excepções. “Quando há fogos nas áreas protegidas, diz-se que não é assim tão mau, que a vegetação recupera. Mas as ervinhas verdes que crescem passados alguns dias não permitem a mesma biodiversidade que existia antes dos fogos” naquilo que resta das verdadeiras florestas do país, comenta Francisco Álvares, biólogo do CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, da Universidade do Porto) especialista em mamíferos carnívoros que trabalha há vários anos na zona do Gerês.
Miguel Dantas da Gama, membro da direcção do FAPAS (Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens) tem opinião semelhante. “Em termos de biodiversidade e de conservação, os efeitos dos fogos e o que resta depois deles, são sempre piores em relação àquilo que existia”, diz. “A grande diferença é que uma floresta de exploração ou uma zona de matos recupera ao fim de algum tempo; os bosques mais antigos vão-se perdendo gradualmente porque a frequência dos incêndios não dá tempo às árvores para crescer”, acrescenta. “O facto de uma zona deixar de estar negra, com terra queimada, para ficar verde poucos meses depois, não quer dizer que já esteja tudo bem.”
Com 8633 hectares de área prioritária ardida, a Peneda-Gerês é o parque mais afectado do país. Lagido Domingos explica o cenário, lembrando que esta é a área protegida com maior zona de protecção total e com um relevo especialmente difícil para o combate aos incêndios. “Nos vales profundamente encaixados, só é possível o combate com meios aéreos”. Mas nem sempre o resultado é o esperado. “No ano passado, na Mata do Cabril, a água lançada pelos aviões do combate ao fogo não conseguiu chegar ao solo por causa das copas dos carvalhos, tão cerradas. Lá em baixo as chamas continuavam activas”.
”O fogo não pode ser visto automaticamente como uma catástrofe”
Na última década arderam anualmente, em média, 13 mil hectares na Rede Nacional de Áreas Protegidas. O ano de 2003 foi o mais gravoso - com 28.272 hectares ardidos em 604 fogos – e 2008 o ano em que menos ardeu, com 2538 hectares queimados, em 472 ocorrências.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês e o Parque Natural da Serra da Estrela são as áreas protegidas que concentram mais área ardida e maior número de ocorrências. Localizam-se nos distritos do país que, segundo a Autoridade Florestal Nacional, são mais afectados pelo fogo: Viana do Castelo, Vila Real, Braga e Guarda.
“Em termos de vegetação natural, a região do Mediterrâneo onde nos encontramos é sempre muito susceptível ao fogo”, lembra Francisco Castro Rego, coordenador do Centro de Ecologia Aplicada Professor Baeta Neves, do Instituto Superior de Agronomia, e antigo director-geral dos Recursos Florestais. “É preciso perceber que muita vegetação natural das nossas áreas protegidas, em alguns ecossistemas, pode ter uma relação natural com o fogo. Por isso, este não pode ser visto, automaticamente, como uma catástrofe”.
Para Francisco Castro Rego,”o que não pode acontecer é deixar os incêndios progredir descontroladamente”. O objectivo maior, no seu entender, “não é reduzir a área ardida mas aumentar a área ardida controladamente”, usando o fogo para combater o fogo. “Hoje em dia já temos técnicos com muita preparação e capacidade para usar este método, fazendo com que o fogo não aconteça no Verão mas noutras alturas do ano em que seja facilmente controlado.”
Este ano, de 1 de Janeiro a 25 de Julho, já arderam 2212 hectares de área protegida, em 148 incêndios, segundo dados do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade. A Peneda-Gerês registou 1391 hectares de área ardida e a Serra da Estrela 651 hectares.
O ciclo destrutivo dos fogos preocupa o responsável do FAPAS, Miguel Dantas da Gama. “Depois de um incêndio, aquilo que recupera primeiro é o mato. Como se perdeu o bosque maduro, capaz de reter mais humidade no solo, a zona torna-se mais vulnerável às chamas. O mato é um combustível para os incêndios. De ano para ano, estes tornam-se mais devastadores e os ecossistemas mais frágeis”.
Enquanto Francisco Álvares falava da perda das áreas de refúgio do lobo-ibérico observava da janela da sua casa, em Vila Real, três colunas de fumo na paisagem que tinha no horizonte. “Digam o que disserem, isto não é normal. Não nos podemos habituar a isto se ainda quisermos ter um país” rico em biodiversidade.
Fonte: Helena Geraldes, Público
Foto: Nelson Garrido
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