segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Secretário de Estado diz que um caçador é um bom conservacionista


    Daniel Campelo, governante responsável pelas florestas e conservação da natureza, assegura que nada está decidido quanto à abertura de portas à extensão do eucalipto no país.
No meio das pilhas de papéis que cobrem a ampla secretária de Daniel Campelo, há um documento, num dos cantos, que se destaca: uma proposta para regulamentar as apostas hípicas. É um jogo como outro qualquer, diz o secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, mas com o condão de impulsionar toda a indústria à volta do cavalo. Campelo, 52 anos, é quem está agora também à frente da conservação da natureza. Não é um novato, tendo criado, quando era presidente da Câmara de Ponte de Lima, a Paisagem Protegida da Lagoa de Bertiandos e São Pedro de Arcos. Agora, o secretário de Estado quer uma área protegida em cada concelho, gerida pelos próprios municípios.

Não se sentiu um peixe fora de água quando foi convidado para assumir a pasta da Conservação da Natureza?

Não. É uma área que sempre gostei, onde tenho algumas experiências. Mas há muitas coisas novas.

Quando foi anunciado que a conservação da natureza ficaria com as florestas, houve pessoas preocupadas que um sector ficasse submetido ao outro. A fusão está a funcionar?

É um processo gradual e lento. Uma coisa é o processo administrativo e esse está consumado com a aprovação da lei orgânica – há agora uma fase que é a de aprovação dos estatutos que ainda não está terminada – e depois há o processo de criação de ligações, a chamada “química” institucional. Faz toda a lógica a fusão destas áreas porque não é possível ter conservação da natureza sem o envolvimento dos agentes que trabalham a terra, a floresta, a caça.

Pode dar exemplos?

A prevenção e o combate a fogos florestais. Nas áreas protegidas, esse trabalho era feito pelo Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB). Agora, o esforço é feito com todos os meios humanos e materiais da antiga Autoridade Florestal e do antigo ICNB. Em algumas zonas, havia quem tivesse dotação para combustível mas não tinha viaturas e noutros locais era ao contrário.

Um dos focos de tensão entre as duas áreas é o código de arborização. Há o receio de que os interesses da floresta produtiva se sobreponham.

O receio é legítimo. Este é um projecto apresentado à discussão pública e há a preocupação em responder a constrangimentos identificados: a excessiva burocracia, o tempo excessivo para o licenciamento, as excessivas entidades a consultar. Há alguma polémica sobre como isso se pode fazer no futuro, sobre a possibilidade de não haver controlo sobre o que os proprietários vão plantar. A discussão é para sinalizar todas essas situações para que haja um documento que seja o mais consensual possível. Na segunda fase, o Governo irá olhar para o que resultar da discussão pública e terá de fazer um debate com outros organismos e depois elaborará o documento final.

Havendo Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) e estando a rever-se os Planos Directores Municipais (PDM) porque não definir logo as áreas onde plantar e o que é que se pode plantar, evitando-se a burocracia?

Os PROF já estão desajustados da realidade e foram suspensos até 2013. É preciso que haja instrumentos de gestão racional que tenha em conta a realidade. Estamos empenhados na revisão de pacotes legislativos na área da floresta e da conservação que visa fazer essa adaptação. Precisamos de estimular. Não basta ter mecanismos financeiros no Programa de Desenvolvimento Rural (Proder) se depois não houver formas de aproveitamento desse dinheiro.

O que tem acontecido em vários quadros comunitários de apoio é que o dinheiro para as florestas não é todo utilizado.

É verdade. Resulta de um programa mal ajustado à realidade nacional mas também da atitude dos proprietários pois torna-se mais barato abandonar do que gerir o espaço. Temos de criar mecanismos em que se torne mais caro abandonar a floresta do que geri-la ou entregar a gestão. É o que procuramos com a bolsa de terras. Quem gere não paga ou tem uma redução e quem não gere tem de pagar.

Mas esses benefícios só serão atribuídos depois da troika.

Sim, por causa do memorando de entendimento. Mas são só dois anos. E depois de ter sido feito o cadastro. Sem isso, todos os mecanismos são difíceis de implementar.

Já ouvimos isso de vários governantes.

Em Abril, foram criadas duas comissões: uma para fazer o cadastro e outra para a gestão activa do espaço rural e florestal. Não posso falar pelo passado. O cadastro é a ferramenta mais importante de gestão do território. Espero que este governo consiga, pelo menos, dar início a esse processo.

O cadastro é um trabalho monstruoso.

Estamos a estudar mecanismos que nos permitam fazer esse trabalho com menos peso e custo do que estava previsto. É melhor ter um cadastro com alguma imperfeição do que não ter nenhum. Há muita coisa já feita, não está é integrada. Vamos começar por aí.

Que floresta quer o Governo para o país? Prevê uma expansão dos eucaliptos?

O mais importante é tirar partido da área florestal já existente pelo melhor ordenamento. Podemos aumentar a produtividade florestal em até 300% só pela gestão da propriedade. Temos ainda um milhão e meio de hectares de áreas abandonadas, incultas e alguns matos.

A ideia é expandir a floresta?

A ideia é aproveitar essas áreas com potencial florestal e geri-las em nome da sustentabilidade ambiental, económica e social. Há áreas florestais que não têm procura comercial e não vão ser os produtores a plantar essas áreas se não houver incentivos. Não podemos convencer o produtor a fazer uma coisa que ninguém compra. Mas há necessidade de plantar floresta que não tem retorno nos mercados mas presta serviços ambientais. Essa é uma das nossas lutas na negociação dos fundos comunitários 2014-2020.

Para essa área de um milhão e meio de hectares, há metas estabelecidas para cada uma das espécies?

Quem tem de dizer isso são os planos de ordenamento florestal. Os solos não são iguais. Tudo tem de ser ajustado ao potencial que o solo e o clima têm para as plantas.

Gostaria que houvesse mais áreas protegidas?

A área protegida em Portugal é das maiores na Europa em termos percentuais – temos cerca de 22%. Temos uma boa área com garantias de protecção, queremos aumentá-la, mas não queremos criar um problema de gestão. Não basta dizer: “aqui é proibido”. As pessoas não aceitam e depois contestam.

Os próprios autarcas contestam...

Os autarcas e as pessoas.

Mas há uma animosidade de muitos autarcas contra as áreas protegidas...

Fui reunir-me com os agentes principais do Parque Nacional da Peneda Gerês, onde há conflitos antigos com esse tipo de atitude. E até há quem diga que as pessoas por raiva estragam as coisas, põem fogo, etc. Isto não pode acontecer, eles são os próprios interessados em que isso corra bem. Então temos de lhes dar responsabilidades. Há riscos? Há. Mas também há riscos quando fechamos e bloqueamos o acesso das pessoas a uma partilha. Essas áreas podem aumentar por essa estratégia: os municípios aumentam as áreas protegidas, mas empenham-se e comprometem-se com a sua gestão, directa ou indirectamente.

Tem dito que gostaria de ter uma área protegida em cada concelho. O que está a fazer para ajudar as autarquias?

Estamos a tentar motivar e estamos a ter resultados. Há municípios que começaram a descobrir esta possibilidade. Até aqui tinha de ser feito por portaria governamental e agora é uma simples decisão do município, que pode identificar um valor ou uma área a proteger, definir as regras, classificar e gerir. Cada um há-de entender no seu município qual é a especificidade da área que quer proteger e o que quer fazer dessa protecção, se quer fazer uma coisa mais turística, mais científica ou mais educativa.

Vão dar incentivos concretos às câmaras?

Gostaria que aumentasse o grau de diferenciação positiva para estas situações. Isto pode levar a uma mancha de óleo de preocupações de conservação ambiental, conservação da natureza, de valores rurais. Esses equipamentos têm muitas vezes auto-sustentabilidade económica. Essa estratégia existe noutros países onde organizações da sociedade civil podem ser responsáveis pela gestão de bens protegidos. Nós também queremos fazer isso em Portugal. Por que é que as áreas protegidas não hão-de ter uma partilha de gestão com outras entidades, porque é que há-de ser uma coisa só do Estado?

Já houve várias tentativas, por exemplo, com as câmaras no conselho directivo das áreas protegidas...

Não sei se houve. Estamos hoje a tentar que isto seja uma realidade e até passar equipamentos que estão sob a gestão do Estado para as autarquias ou entidades.

Que tipo de equipamentos?

Dormidas, visitação, as casas dos parques. Estamos a lançar estes desafios aos municípios.

Mas isto era um programa que o próprio Instituto da Conservação da Natureza estava a desenvolver, a recuperação e o aluguer das casas dos parques.

Em alguns sítios, o ICN interveio, recuperou e depois fechou as casas.

E os serviços florestais? Também têm casas espalhadas pelo país inteiro.

Já entregámos várias casas, delegámos a sua gestão a outras entidades que estão na proximidade. E gostaria que isso fosse acelerado, para evitar a degradação de património que está fechado, que tem um aproveitamento inútil. Um exemplo noutro domínio: o dos viveiros florestais e aquícolas. Estamos neste momento num processo de contratualizar com municípios a activação desses espaços para fins pedagógicos, ambientais e para fins de exploração.

Estes equipamentos têm sido entregues para turismo?

Os que estão programados para turismo da natureza podem continuar nessa modalidade. Ou para centros de interpretação ambiental ou para actividades lúdicas ou para apoio por exemplo às associações de caça, que também têm um papel importante no ordenamento florestal.

Existe uma imagem de que o caçador é antinatureza. Qual é a sua opinião?

A caça é uma das actividades mais antigas do mundo e é uma das mais antigas na floresta. Um caçador é obrigatoriamente um bom conservacionista. A caça, se for bem gerida e bem ordenada, é uma actividade perfeitamente enquadradora na exploração da floresta. É por isso que digo que não há conservação possível sem o envolvimento desses agentes. O maior programa em curso, o de reintrodução do lince, só tem possibilidade de ter sucesso se houver um compromisso entre os agricultores, os agentes florestais e os caçadores. A caça tem uma receita potencial muito forte. Há concelhos que vivem muito à custa da caça e dos caçadores.

Sabemos que quer reintroduzir corridas de cavalos urbanas em Portugal. O que é que está na forja?

Portugal e o Luxemburgo são os únicos países europeus onde não há apostas hípicas. É um jogo como outro qualquer. Mas as apostas hípicas [sustentam] o desenvolvimento rural. Portugal tem as melhores condições na Europa de clima, de pastagens e de mão-de-obra para poder ter uma fileira do cavalo forte, que é uma indústria muito potente em toda a Europa. As corridas são um motor económico para justificar o crescimento desta indústria.

Mas nem coudelaria de Alter consegue ser rentável...

Alter é uma peça que pode beneficiar deste sistema. Se a indústria do cavalo ganhar dinâmica por força da implementação do sistema de apostas hípicas, todo o negócio à volta dos cavalos cresce. E inevitavelmente Alter será um pólo beneficiado, apesar dos cavalos que ali estão não serem para este tipo de corridas.

E o que vão fazer?

Vamos alterar [a legislação] para tornar apetecível. Chegou a haver dois concursos no passado, que ficaram desertos, porque as regras não eram atractivas. Não posso neste momento adiantar mais.

As touradas também são importantes?

É outra questão. Fazem parte da nossa cultura, alimentam uma parte também do mundo rural. Não podemos ter preconceitos relativamente a essas tradições, que fazem parte do povo e fazem parte do país.


Fonte: Público/Ricardo Garcia, Ana Fernandes
Foto: Enric Vives-Rubio

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