domingo, 31 de janeiro de 2010

Guerra na Peneda-Gerês para manter gente… e ter eólicas

De um lado, ambientalistas, que querem menos ocupação humana no Gerês, o que inclui o pastoreio, a circulação automóvel ou centrais de energia; do outro, populações e autarcas, que vêem no Plano de Ordenamento do Parque um atentado às suas tradições e um obstáculo ao desenvolvimento.

Peneda-Gerês com Gente. Mais que um chavão, é um desejo de quem reclama voz na gestão do único parque nacional português. Numa altura em que se aguarda a promulgação do novo plano de ordenamento daquela área, temas como eólicas ou exclusão de determinadas zonas ao contacto humano estão a acentuar o conflito.

"Se menos de 7,5% da área do parque é do Estado - e porque foi expropriada há um século - e o resto é privado ou baldio, porque é que querem impor taxas e proibições nos terrenos privados?", começa por questionar o movimento Peneda-Gerês com Gente, o mesmo que levou mil pessoas a protestar em Braga recentemente.

Manuel Dias Branco, dirigente do movimento e presidente da Junta de Freguesia de Cabana Maior, Arcos de Valdevez, apela à "suspensão" da aplicação das novas regras, que estiveram em consulta pública até 2 de Dezembro. "Vai contra coisas ancestrais, usos e costumes dos habitantes e direitos como os de explorar a pedra ou as energias eólicas", sublinhou.

Contra o que dizem ser propostas de "restrições inadmissíveis", lançaram mão de uma recolha de assinaturas para levar o caso à Assembleia da República e travar "a todo o custo" que o plano seja aprovado em Conselho de Ministros. Dizem ainda que a área do parque não é selvagem, conforme "quer fazer crer" o novo documento. "Não podemos permitir que isto possa acontecer! Estamos perante um retrocesso dos direitos que o pós-25 de Abril veio devolver às populações", afirmou, frisando que a proposta de plano "prejudica o próprio parque nacional, o que é um contra-senso".

A suspensão do novo plano - em fase de análise de queixas apresentadas durante a consulta pública - é a reivindicação, antes de um "quase obrigatório", de novo plano, "substancialmente alterado" e desde que as taxas sejam abolidas. "Há uma portaria que determina a cobrança de 200 euros para praticamente tudo, inclusive para que um pequeno agricultor corte mato e tojo na sua propriedade", criticam. Na opinião dos residentes, as taxas são "um absurdo que só vai levar ao desaparecimento da população, ferindo de morte a riqueza e biodiversidade" do PNPG.

Em terras em que o emprego rareia, as eólicas são tema obrigatório. O próprio município de Arcos de Valdevez enviou uma reclamação, durante a consulta pública, para "que se encontre uma solução relativamente ao aproveita- mento do potencial de produção de energia renovável que o Parque comporta". A autarquia, liderada por Francisco Araújo, vai ainda mais longe: "É mais grave quando se verifica que outras áreas protegidas têm essa oportunidade." Apesar do investimento que a instalação de aproveitamento eólico poderia gerar na economia local do parque, a hipótese continua, para já e no âmbito do plano, descartada pela tutela.

"Esta posição é clara e representa um não claro a parques eólicos no PNPG", sustenta Helena Freitas, da Liga da Protecção da Natureza (LPN) [ver entrevista]. Ou seja, segundo o novo plano, serão "interditadas" instalações "de novas infra-estruturas ou equipamentos de produção de energia eléctrica utilizando recursos hídricos ou eólicos". A única excepção são equipamentos de microgeração (cuja potência a entregar à rede pública não exceda os 150 kW). Apesar das críticas da população, Helena Freitas lembra que o PNPG " merecia sem dúvida mais atenção", acrescentando: "Basta ver a atitude e o êxito de políticas distintas no lado espanhol do Parque."

Helena Freitas, Liga para a Protecção da Natureza

População que reside no parque queixa-se de (ainda mais) limitações. Como compatibilizar ambiente e pessoas?

O plano de ordenamento tem exactamente este objectivo: assegurar a conservação dos valores naturais que justificam a consignação do Parque da Pe-neda-Gerês à Conservação e o estatuto de parque nacional que tem, ao mesmo tempo, de se procurar garantir os interesses legítimos das populações que aí vivem.

Mas como responder às preocupações das populações?

Neste caso, julgo que a insatisfação das populações se prende com a instituição de zonas de protecção total, que não permitem algumas actividades que são tidas como tradicionais e não susceptíveis de causar da-no à natureza. Mas não é bem assim, e a avaliação da situação actual do parque, do ponto de vista da sustentabilidade dos seus valores e serviços dos ecossistemas, parece obrigar à limitação de actividades humanas em zonas específicas.

Que propostas apresentaram na consulta pública do plano?

No geral, a LPN considerou positiva a actual proposta de revisão do Plano de Ordenamento do PNPG. Entre outras coisas, no seu parecer, a LPN valorizou a revegetação com espécies nativas, pelo seu valor mas também enquanto estratégia preventiva em relação aos fogos florestais, substituição de espécies exóticas por espécies autóctones, a interdição de algumas actividades como o próprio pastoreio e o trânsito motorizado nas zonas de protecção total.

Faz sentido um PNPG sem pessoas?

Não faz sentido um PNPG sem pessoas, mas pode fazer sentido que algumas áreas do PNPG, que hoje enfrentam maior vulnerabilidade e integram mais valores, sejam consideradas interditadas na sequência da presente avaliação. O êxodo de territórios de matriz rural é generalizado e não se circunscreve ao PNPG.

"Há cada vez menos pessoas por cá…"

Moram e "tentam" trabalhar no parque. São proprietários de terrenos, mas queixam-se de falta de voz nas decisões sobre o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG). Alguns defendem eólicas para justificar a presença de quem ainda ali reside, mas o parque rejeita. No entretanto, o povo vai partindo. As "limitações" e "imposições" são as justificações.


Em terras de que os mais velhos fogem à procura de emprego, a construção de habitação é uma das dificuldades que, segundo os autarcas da área do PNPG, serão agravadas pelo novo plano. Ou seja, o PNPG prevê colocar sob alçada das câmaras o licenciamento de construção, mas como é obrigatório que os projectos sejam da autoria de arquitectos e não de engenheiros, garantem que representará o dobro da despesa.

Problemas, muitos, com que José Alberto, morador no parque, parece pouco se importar. "Sabe, parti há 35 anos para ser emigrante e isto era uma miséria. Colhíamos 20 quilos para comprar umas sardinhas. Hoje isso mudou, mas não foi muito." Agarrado a uma das "tourinhas", José segue viagem até casa, após mais algumas horas no campo. No fundo, a única rotina por estas bandas. Olha para o topo da montanha e desabafa: "Então não podíamos ter ali umas ventoinhas, daquelas da electricidade, para dar algum dinheiro?" Não, não podem porque o parque não autoriza e assim continuará.

Em pleno centro do Soajo, o DN encontrou Custódia. Passeia ao colo o neto, Noé. "Para já os meus filhos estão por cá. Enquanto há trabalho por perto", diz, assumindo: "Crianças são tão poucas que sabemos quem são. Há uma menina de seis meses e depois é o meu neto." Numa terra em que os cafés e três restaurantes são os principais empregadores, Custódia percebe a realidade. "Não dá para os mais novos terem filhos e continuarem por cá."

Com um total de 5800 hectares de território, Soajo é uma das mais características freguesias do parque. Desta área, 4000 hectares integram o PNPG, mas quase não resta história dos milhares de animais de pastoreio. O último grande pastor tinha 350 cabeças, mas há pouco mais de um ano vendeu--as, devido aos prejuízos dos ataques dos lobos. Hoje, enquanto ainda aguarda por indemnizações do parque, dedica-se à construção civil. Revoltado por tudo o que ficou para trás, recusa mesmo entrevistas: "Ficou muito magoado", atira a esposa.

Fonte: Diário de Notícias

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