Na noite antes da votação de uma proposta sobre a proibição do comércio internacional de atum-azul, o Japão serviu aos convidados de uma recepção um prato que dizia tudo sobre as suas pretensões: sashimi de atum. Os interesses económicos do Japão em relação ao atum-azul, e a outras espécies, como o tubarão-martelo, acabaram por vingar na reunião dos países signatários da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES)das Nações Unidas, que terminou ontem no Qatar.
Resultado dos 12 dias de reunião: o Japão liderou a oposição a várias propostas de proibição da venda internacional de diversas espécies, e saiu como o grande vencedor. Assim, não só o atum-azul vai continuar no prato dos japoneses, de preferência cru, como por exemplo os chineses podem continuar a comer barbatanas de tubarão-martelo na sua sopa tradicional.
Os Estados Unidos queriam ver proibido o comércio internacional de atum-azul e a União Europeia (UE) apoiava essa ideia, embora defendesse uma moratória de um ano antes que a venda fosse banida e que os pescadores tradicionais não fossem abrangidos. Na base destas propostas estavam os números das populações de atum-azul: decresceram 90 por cento na parte oeste do oceano Atlântico e 80 por cento no lado leste, desde os anos 70.
Mas o Japão, que consome mais de metade do atum-azul capturado no mundo, exerceu grande pressão contra as restrições. Liderou também a oposição à proposta dos Estados Unidos (apoiada pela UE, pela Austrália e pelos países árabes) de proibir o comércio internacional do tubarão-martelo, sendo secundado por vários países asiáticos, como a China e a Indonésia.
Todos os anos, apanham-se 1,5 a 2,3 milhões de tubarões-martelo, muitos dos quais são depois devolvidos à água já sem as barbatanas, e que por isso acabam por morrer.
"O Japão votou contra as propostas sobre os tubarões porque os captura, Singapura votou contra porque faz dinheiro a vender as barbatanas e a China faz dinheiro porque as come. Como podíamos ganhar?", resume Jupp Borg, presidente do Instituto de Investigação do Tubarão, nos EUA, citado pela agência AP.
De resto, as espécies marinhas estiveram em grande destaque na reunião da CITES, que a cada três anos junta os representantes dos 175 países signatários, com os corais rosa e vermelhos, utilizados em joalharia, também no centro da discussão. De novo, os Estados Unidos e a UE queriam limitar o comércio de 31 espécies de corais rosa e vermelhos, que se encontram pelos diversos oceanos. A ideia não era proibir a sua venda, mas incluí-los na lista de espécies cujo comércio internacional é monitorizado e regulado.
No entanto, também esta proposta acabou por ser rejeitada, com a argumentação de que há falta de provas científicas sobre os impactos negativos da apanha de corais na sua abundância e que, por outro lado, as restrições afectariam a vida das populações costeiras que vivem desta actividade.
O urso polar esteve igualmente na berlinda, com os Estados Unidos a quererem proibir por completo o comércio de produtos desta espécie já ameaçada pelo derretimento do Árctico e o Canadá e grupos de povos nativos a oporem-se a tal proposta. No final, o fiel da balança pendeu para os argumentos apresentados pelos inuit de que as suas comunidades locais dependem da caça do urso polar.
Mas nem todas as notícias foram más para as espécies. Por exemplo, em torno do elefante-africano, mais concretamente das suas presas de marfim, houve uma vitória.
O comércio internacional de marfim foi proibido em 1989, e desde então a CITES só permitiu vendas pontuais dos stocks e se o dinheiro revertesse para a conservação dos elefantes. Agora, a Tanzânia e a Zâmbia pretendiam baixar o nível de protecção do elefante-africano, para poderem não só vender o marfim que actualmente têm armazenado como abrir a porta a futuras transacções.
Outros países africanos, com o Quénia à frente, opuseram-se ao enfraquecimento da protecção dos elefantes, considerando que tal iria impulsionar a caça ilegal, e desta vez as negociações favoreceram esta espécie.
A Serra Leoa, por exemplo, reportou a morte do seu último elefante em 2009. "As pessoas nascidas daqui a 100 anos devem poder ver um elefante", defendeu o ministro da Floresta e da Natureza do Quénia, Noah Wekesa, citado no jornal The Washington Post.
Ainda a reunião da CITES não tinha terminado e o jornal britânico The Guardian já expunha os limites desta convenção, num editorial. "Na reunião, a ganância e os interesses nacionais a curto prazo espezinharam a ciência e a conservação. Tal como a conferência de Copenhaga [sobre as alterações climáticas, em Dezembro], este evento tem sido largamente miserável, expondo os limites da cooperação ambiental."
Fonte: Publico.pt
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