domingo, 17 de maio de 2009

Entrevista ao presidente do ICNB, Engº Tito Rosa

Eng.º Tito Rosa: A sociedade tem de contribuir para financiar a conservação

Defender os valores naturais do país é uma tarefa que não pode ser deixada a cargo apenas dos especialistas. Mas, para que a sociedade se envolva, tem de conhecer melhor aquilo que é importante preservar e os benefícios que poderá daí obter, diz Tito Rosa, presidente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) há um ano.

Uma águia-imperial foi recentemente abatida por caçadores. A política que se tem sempre seguido é a de manter em segredo a localização de espécies muito ameaçadas. Não havendo possibilidade de pôr vigilantes em cada um desses sítios, não será de repensar essa política e divulgar a informação, cativando a população para essa vigilância?

É um debate interessante que pode ser alargado a outras matérias, que é saber se a natureza é conservada por especialistas ou por não especialistas. Acho que é muito importante ser conservada por especialistas, mas estes só o conseguem fazer se os não especialistas a conservarem. Este é o caminho a seguir.

Envolvendo as populações?

Exactamente, embora tudo o que é de mais também pode ser em excesso. Em determinadas situações importa que não haja perturbação. Mas as pessoas têm de saber que está lá e a importância que tem. O nosso objectivo de conservação da natureza só é alcançado se conseguirmos que os não especialistas sejam os primeiros a ser mobilizados para a conservação.

Mas nunca se ultrapassou, em muitas situações, a ideia de que a conservação da natureza é um empecilho ao desenvolvimento. Como ultrapassar isto?

Dou-lhe um exemplo: liderámos, no Norte, no Alentejo e no Centro, os processos de candidatura ao Prover [programas de valorização económica de recursos endógenos no âmbito dos fundos comunitários], onde estiveram envolvidos mais de duas centenas de parceiros e em que as áreas protegidas apareceram como âncora desses projectos.

Mas que vantagens é que as populações têm tirado de estarem numa área protegida?

Talvez isso não seja valorizado por todos, mas uma das vantagens é a sua própria existência. Imagine zonas que hoje estão protegidas se não o fossem. Com a nossa propensão para o desordenamento, o que seria desses territórios? Mas há que valorizá-los e uma forma é levar as pessoas a visitar as áreas. Lisboa está rodeada de áreas protegidas por todo o lado. Mas quantos lisboetas sabem isso, quantos são os hotéis que promovem viagens curtas a essas áreas? Isto custa pouco e tem muito de positivo. É um trabalho que estamos a fazer.

Falta transmitir por que é que é importante preservar as espécies.

Um primeiro passo para que as pessoas se apercebam do valor da natureza é permitir que usufruam dela. Se usufruírem de um bem, defendem-no, mesmo que não o consigamos quantificar. É importante que as pessoas da conservação chamem a si o grande público para o fazer perceber o valor que têm em presença, mais que não seja pelo seu usufruto.

Mas o ICNB é visto muito como uma entidade reactiva em vez de proactiva.

Esta casa tem uma missão muito valorosa, mas a sua fragilidade está associada a isso. Quando somos pioneiros, somos vistos como alguém que vem criar dificuldades. Hoje ninguém põe em causa a economia da água, dos resíduos ou da energia. Mas a natureza não está assumida nesse sentido, portanto há sempre pessoas que não compreendem. O nosso papel é estar um bocadinho mais à frente, o que tem custos. Temos de resistir, mas também temos de ser compreensivos para que se consiga fazer essa trajectória rapidamente mas sem ruptura. É um desafio difícil mas mobilizador. Estamos a correr ao lado do tempo. Mas a economia irá, progressivamente, absorver a natureza.

Conseguiram reequilibrar as finanças do ICNB?

Sim, fazendo uma gestão adaptada aos recursos. Regularizámos as dívidas com os fornecedores. E o meu desafio nesta casa é permitir que a biodiversidade capte investimentos que não venham apenas do Orçamento do Estado. Cada vez temos de fazer com que outras instituições, organizações de agricultores, associações, etc., invistam na natureza e sejam apoiadas para isso.

É nesta estratégia que se insere o Business & Biodiversity?

O B&B tem quase dois anos. O balanço é positivo.

Não foi apenas uma tentativa das empresas se esverdearem em termos de marketing?

Não. Os projectos têm compromissos assumidos.

Que estão a ser implementados?

A maior parte está. Vamos agora fazer um ponto de situação para relançar o processo de adesão a novas empresas. Gostaria que a iniciativa se alargasse ao sector agro--alimentar pelo seu relacionamento com os agricultores, pois as explorações agrícolas são domínios de gestão de biodiversidade.

Foi por isso que a Comissão Europeia decidiu que os fundos para a Rede Natura viriam dos apoios para o desenvolvimento rural. Está satisfeito com as decisões tomadas nesse capítulo a nível nacional?

Para ser objectivo, não posso estar satisfeito. Temos de redinamizar essa área porque o contributo dos agricultores para a gestão de sítios é fundamental. E esse trabalho tem de ser remunerado. Porque estes, além dos produtos, produzem biodiversidade. Temos propostas e brevemente iremos discutir isso com o gabinete de planeamento do Ministério da Agricultura, mas sinto que há cada vez mais uma convergência.

Mas o que é que não funcionou?

Pode ser por factores múltiplos: por se ter alterado o método, por os valores de incentivo não serem suficientes, por falta de mobilização no terreno, etc.

Houve pouca adesão?

Sim, face às expectativas.

Como está o Fundo da Conservação?

Apresentámos as primeiras propostas à tutela para reflexão. Não deve começar a funcionar este ano mas gostaríamos de, ainda em 2009, discutir o perfil do fundo e criar alguma legislação. Queremos evitar que se transforme num fundo orçamental, típico de muitos fundos que existem, que depois financiam entidades públicas. Queremos criar um fundo financeiro, com capacidade de auto-regeneração, envolvendo as entidades públicas e privadas. As medidas de minimização e compensação de projectos poderiam alimentar em parte esse fundo. Assim como algumas contribuições sobre serviços prestados pelo Estado.

Não será para cobrir as carências financeiras do ICN?

Não. É possível mobilizar recursos financeiros na sociedade, e não apenas no Estado, para desenvolver as iniciativas de conservação.

Escasseiam indicadores sobre os sucessos ou insucessos da conservação da natureza em Portugal. O fundo permitiria cobrir algumas dessas lacunas?

O fundo vai ter obrigação de produzir indicadores. Quase um barómetro do que está a acontecer em matéria de biodiversidade em Portugal.

Que balanço faz da reestruturação do ICNB?

O que interessa é a gestão dos modelos, não os modelos em si. Reconheço-lhe vantagens e alguns inconvenientes, como o esforço de coordenação que exige. É essencial uma grande capacidade de orientação de cima para baixo. Sou muito adepto das organizações com comando. O director acumula agora várias áreas.

O contacto com as populações locais está a ser conseguido?

O ICNB continua a estar presente junto das populações, em quatro dezenas de locais pelo país. Esta instituição tem agora uma mesma atitude de Castro Marim a Montesinho. E depois tem como objectivo ser mobilizador de todos aqueles que podem dar um contributo positivo. Na maior parte das áreas protegidas há imensas oportunidades de encontrar soluções de co-gestão.

Como estão os clandestinos?

Vai haver demolições muito brevemente, sobretudo as que têm decisões de tribunal transitadas em julgado. Estamos a tratar dos procedimentos formais.

Onde?

Em todo o país.


Fonte: Ana Fernandes, Jornal Público

0 comentários:

Enviar um comentário