quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Guarda-parques na América Latina, por Daniel Paes Barreto

Áreas Naturais Protegidas
As áreas naturais protegidas, o “local de trabalho” dos guarda-parques são uma invenção humana. As mais antigas foram criadas como sítios sagrados (Wild e McLeod, Eds. 2008), e também foram utilizadas para proteger os animais de caça da realeza nos “bosques reais” – recordemos a figura dos “Guarda-floresta”, antecessores dos guarda-parques modernos. Em 1872 começa sua história moderna, com a criação dos Parques nacionais de Yellowstone e Yosemite nos estados Unidos da América.
A motivação inicial nessa segunda fase foi proteger a beleza desses grandes espaços, paisagens monumentais de grande extensão. Nessa época eram considerados silvestres se não possuíssem populações humanas; assim, as populações existentes – em geral populações indígenas – eram removidas.
Com relação à presença de pessoas em áreas protegidas, temos duas correntes: uma que pode ser considerada de “exclusão”, com origem na América do Norte, e a outra de “inclusão”, de origem na Europa, embora esses países tenham aplicado a exclusão em suas colônias (Colchester, 2003). Considerando o objetivo desse texto, essa questão se destaca, pois tem influência na percepção dos guarda-parques com respeito às comunidades, e inclusive na instrução e capacitação recebida por aqueles com respeito ao desempenho de suas funções.
Retornando à criação de áreas protegidas, uma etapa posterior incluiu o objetivo de conservar porções de terra e de mar por sua biodiversidade, processos ecológicos e elementos culturais associados (remanescentes arqueológicos e outros). Ainda poderia ser “necessária” a expulsão dos povoadores originais.
Por que conservar esses espaços naturais? Pelas provas evidentes de que a humanidade e suas atividades econômicas estavam e estão colocando em riscos a sobrevivência da vida no planeta.
As áreas protegidas foram definidas a nível mundial por duas instâncias de influência reconhecida: a primeira, a Convenção da Diversidade Biológica, que em seu artigo segundo entende “área protegida” como uma área definida geograficamente que tenha sido designada ou regulamentada e administrada com fins de alcançar objetivos específicos de conservação (1992). A segunda, a IUCN (União Internacional pela Natureza), as definiu em 1994 como “uma superfície de terra e/ou de mar especialmente consagrada à proteção e manutenção da diversidade biológica, assim como dos recursos naturais e recursos sociais associados, e manejada por intermédio de meios jurídicos ou outros meios eficazes”.
Em ambas as definições encontramos a raiz do trabalho dos guarda-parques modernos e a orientação para suas tarefas: “proteção e manutenção”, “regulada”, “meios jurídicos”, “objetivos de conservação”, “manejada”.

O pessoal dos sistemas de áreas naturais protegidas
Nesses espaços protegidos trabalham pessoas com diferentes papéis e funções, que em conjunto devem assegurar que essas porções de terra e mar se mantenham em suas condições originais, ou inclusive recuperar áreas degradadas utilizando como guia o estabelecido na norma de criação da área, a categoria de manejo definida e o plano de manejo. Essa é a principal tarefa da administração das unidades de conservação, e de todas funcionando com um sistema.
Fazem parte desse pessoal profissionais e técnicos de diversas áreas de conhecimento, como biólogos, antropólogos, sociólogos, ecólogos, etc., o pessoal que trabalha em logística, serviços e tarefas administrativas – e os guarda-parques.

Os guarda-parques na América Latina
Os guarda-parques possuem características que os distinguem do resto do pessoal:
a) São aqueles que ocupam o território administrado pela instituição responsável pelas unidades de conservação, e associado a isso,
b) As tarefas de controle e vigilância.
A ocupação territorial efetiva determina o tipo de gestão, e tem conseqüências sobre a vida individual e familiar dos guardas, tanto para homens como para mulheres guarda-parques.
O manejo das áreas protegidas se vê afetado considerando os fundamentos da presença em campo dos guarda-parques e as condições sob as quais desenvolvem suas tarefas. Esse aspecto já está sendo incluído nas avaliações dos sistemas de áreas protegidas, como na Guatemala, que tem como um dos indicadores o “nível de satisfação do pessoal” (Sánchez 2004).
A sua presença em campo não é similar em todos os países; em alguns casos, como Argentina e Chile, os guarda-parques são designados para o campo, e vivem ali. O estado provê residências e infra-estrutura (escritório, cavalariças, veículos, viveiros, etc.). Nos parques nacionais da Argentina, estão distribuídos em um sistema de seções (as seções são frações do território da unidade de conservação que tem a seu encargo).
Na maioria dos países, os guarda-parques se deslocam e habitam temporariamente cabanas ou refúgios - que em alguns casos podem ser tão precários como uma construção tosca de quatro troncos e uma cobertura de plástico- por períodos que podem ir de uma semana a 28 ou 40 dias.
Considerando que o/a guarda-parque é um civil que realiza esse trabalho com uma motivação forte vinculada à conservação, nos encontramos diante de um indivíduo com um caráter especial em uma atividade com riscos realizada em lugares remotos e por vezes inacessíveis.
O controle e a vigilância, atividades necessárias e imprescindíveis em muitas áreas protegidas do planeta são tarefas de risco. Os regulamentos de patrulhamento estabelecem, sem exceção, que sejam realizadas pelo menos por dois guarda-parques. Atualmente, para serem efetivas, devem ser realizadas em coordenação, apoio e acordo com as comunidades e moradores.
Em toda a América (Norte, Central e Sul), encontramos pessoal com denominações diferentes, mas com funções similares: guarda-recursos, guarda-fauna, guarda ambiental, guarda florestal; em alguns países não são formalmente denominados guardas nas normativas, nem aparecem na lista de carreiras públicas, como é o caso da Colômbia e México e no Brasil até há pouco tempo não existiam formalmente em nível federal.
Na Colômbia encontramos antecedentes de agressões, perseguições, assassinatos, seqüestros e roubos a guarda-parque, denominados “operários” (comunicação pessoal de campo desse país que passaram por essas experiências, os quais, obviamente, não podem ser identificados...). O risco é tal que até o uniforme característico de guarda-parque, verde e cáqui é perigoso, sendo substituído por outro de cor azul-celeste.
É a mesma cor usada no México, onde tampouco existe a figura legal de guarda-parque; nesse país, o pessoal da Comissão Nacional de Áreas Protegidas que ocupa a função é considerado e até denominado informalmente de guarda-parque, mas formalmente ocupa o posto de “Técnico Operacional”
No ano de 2008, foi criado no Brasil por Decreto Federal (No. 6.515 de 22/07/08) a figura de guarda-parque, integrando pessoal de bombeiros e da polícia militar. Vários estados (Piauí, Rio de Janeiro criaram corpos estaduais de guarda-parques usando o mesmo mecanismo de delegar as tarefas de guarda-parque a bombeiros e policiais.
Sendo ambas as funções básicas na sociedade e em parte função dos guarda-parques (no caso de incêndios em florestas e campos, raramente no caso de incêndios de estruturas físicas), é conveniente criar a figura dos guarda-parques com identidade própria, baseada na concepção de um agente de conservação com capacidade de adaptar-se a situações de conflito, mas que deve tender a ser um promotor e um extensionista ambiental.
Na América Central estima-se que existam 1.500 guarda-parques para uma superfície de 125 mil km² (Programa Estado de la Nación, 2008); um levantamento feito por mim, ainda incompleto, nos dá um número de 7.182 guarda-parques em 15 dos 41 países da América latina e Caribe (ver Anexo I). Esses dados variam ano a ano, mas estimamos mais uns 10 mil trabalhando na região.

Guarda-parques e áreas protegidas
Os guarda-parques são uma ferramenta da conservação in situ. Na literatura científica encontramos argumentos que confirmam que a efetividade das áreas protegidas aumenta com sua presença em campo.
“A efetividade dos parques se correlaciona mais fortemente com a densidade de guarda-parques (Tabela 2). A densidade mediana entre os 15 parques de maior efetividade é mais do que 8 vezes maior do que nos 15 parques de menos efetividade (3 guarda-parques/km² nos mais efetivos e 0,4/km² nos menos efetivos). No entanto, a capacidade de atuação (uma variável composta de treinamento, equipamento e salário) não apresentou correlação com a efetividade, sugerindo que essas características são menos importantes do que a presença de guarda-parques” (Bruner et al. 2001).
Esses autores, que avaliaram a efetividade de parques na proteção da biodiversidade tropical demonstraram que a maior quantidade de guarda-parques por km² aumenta sua efetividade; do meu ponto de vista, as conclusões sobre a capacidade de atuação e a efetividade são discutíveis.
Quantos guarda-parques são necessários? Os que lidam com parques mencionam que a relação adequada é de 1 guarda-parque para cada 10 mil hectares, embora a citação original não tenha sido encontrada em nenhuma publicação nem em buscas pela internet. Discursos políticos, análises técnicas e publicações científicas utilizam essa relação de guarda-parques por ha.
Na publicação “Estado del Sistema Centroamericano de Áreas Protegidas (CBM-CI, PROARCA, TNC-WCPA, 2003), consta que “os dados reportados nos informes nacionais para o I CMAP, por cinco países (Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá) sobre a quantidade de pessoal de campo ou guarda-parques disponíveis mostra que a relação entre a quantidade de funcionários e a de hectares (levando em conta apenas a extensão declarada das áreas protegidas), se convertem em um problema de difícil manejo para alguns desses países; no caso de Honduras, Nicarágua e Panamá, essa relação mostra que cada guarda-parque deveria atender, em teoria, 22.201 ha, 12.526 ha e 11.184 ha, respectivamente”.
Na Guatemala, uma análise do sistema de áreas protegidas, publicado um ano depois, aponta no item”Cobertura para Controle e Vigilância”: “a quantidade de pessoal designado para controle e vigilância das áreas é bastante baixa em proporção à extensão de área que devem cobrir. Nesse indicador existem grandes contrastes, como áreas que possuem um guarda-recursos/7.911 ha, enquanto outras possuem um guarda-recursos/41.199 ha. É urgente a contratação de mais pessoal para controle e vigilância e a construção de postos de controle em pontos estratégicos dentro das áreas protegidas” ( Sánchez, 2004).
Analisado por outro ponto de vista e para o mesmo país, um informe de prestação de contas do Conselho Nacional de Áreas Protegidas (2006) mostra que houve:
• “Um incremento do número de guarda-recursos (456 em 2005, 105 a mais que em 2004)
• Com isso, durante o ano de 2005 se deu cobertura a 7.362,8 ha/guarda-recurso, comparados com os 9.565,44 ha/guarda-recurso de 2004”
Jax e Rozzi (2004), no trabalho “Teoria Ecológica e valores na definição de objetivos de conservação: exemplo de regiões temperadas da Alemanha, Estados unidos da América e Chile”, destacam que “um segundo problema surge da escassez de pessoal nos parques: menos de 20 guarda-parques trabalham permanentemente em Magalhães. Isso representa uma média de um guarda-parque para 3.540 km². Esse é um problema comum na América Latina, onde uma situação dramática também ocorre na Amazônia brasileira, que tem apenas 23 guarda-parques permanentes para toda a bacia, isto é, em média um guarda-parque por cada 6.053 km² de terras protegidas (Primack et al, 2001). Essa situação contrasta com a dos Estados Unidos, que tem 4002 guarda-parques permanentes, representando um guarda-parque/82 km²”.
Para conseguir que uma área seja protegida, e mais precisamente, que sejam cumpridos os objetivos de conservação que motivaram sua criação, a quantidade de guarda-parques deve ser estabelecida no plano de manejo, e estar em relação direta com as atividades e complexidade da unidade de conservação, o uso público, as atividades permitidas e proibidas, a superfície sob proteção, comunidades vizinhas ou interiores, pressões por retirada de madeira, caçadores furtivos, quantidade de visitantes, infra-estrutura, entre outros.
O mais sério é que esse instrumento de manejo ainda não está totalmente estabelecido; na América Central, apenas 19% das áreas protegidas tem um plano de manejo vigente (Programa Estado la Nación, op. cit.)

Funções
Na América Latina, o desenvolvimento da profissionalização do papel de guarda-parques não é homogêneo. Os países se encontram em diferentes etapas; o mesmo ocorre dentro de seus estados. Em países federativos, esse desenvolvimento está em diferentes estágios dentre os guarda-parques federais, e os provinciais/estaduais.
Vamos apresentar seis funções elementares dos guarda-parques:
- Controle e vigilância (caça e corte de madeira, incêndios)
- Segurança dos visitantes (por acidentes em locais com risco)
- Atenção ao visitante (oferecendo informação)
- Educação ambiental/interpretação da natureza (busca de mudanças no visitante)
- Apoio à pesquisa científica (conhecimento e capacidade operacional em campo)
- Relação com as comunidades e resolução de conflitos (minimizar as ameaças na escala em que trabalha um guarda-parque)
Controle e vigilância, segurança e atenção ao visitante são historicamente as primeiras tarefas básicas no desempenho profissional dos guarda-parques. Para executá-las é necessária uma certa formação e capacitação, além de certas habilidades, e todo um marco legal que respalde e regule a sua ação.
Os guarda-parques foram incorporando paulatinamente outras funções, acompanhando um sistema de áreas protegidas cada vez mais complexo: maior diversidade de objetivos de conservação, diferentes categorias de manejo, zoneamento, distribuição geográfica em ambientes extremos, demandas por parte das comunidades, dos visitantes e operadores turísticos, desenvolvimento tecnológico, entre outros e a identificação recente de novas ameaças, como as mudanças climáticas globais.
Essas seis funções não estão necessariamente arranjadas em termos temporais: em alguns países a necessidade de apoio à pesquisa apareceu nas etapas iniciais da carreira, utilizando o conhecimento de campo, das espécies de fauna e flora e sua distribuição, conhecimento alcançado de forma empírica e que foram encontrados nos membros das comunidades vizinhas das áreas protegidas.
Para cumprir essas funções, o guarda-parque tem que ter conhecimentos legais e de procedimentos administrativos, uso de ferramentas (de construção, combate a incêndios, etc.), conhecimento sobre ciências naturais, de educação para adultos, capacidade de negociação, equitação, náutica, esqui, primeiros socorros, tecnológicos (para utilizar GPS e computadores). Conhecimentos de andinismo e uso de cordas.
A lista é interminável; nem todos os conhecimentos são necessários para um determinado posto, mas nos países onde há rotação de postos, o guarda-parque chega a utilizar um leque muito amplo de conhecimento, destreza e habilidades.
Diz-se tradicionalmente que os guarda-parques são os olhos e ouvidos dos administradores das unidades de conservação; na atualidade, além disso, são executores que respondem aos delineamentos que surgem dos planos de manejo.
Em muitos poucos casos os guarda-parques estão organizados em uma estrutura nacional (quando existe é hierárquica), mas no nível de unidade de conservação, e com dependência do chefe da unidade.
Por exemplo, no Peru, o artigo 26 do regulamento da lei de Áreas Naturais Protegidas (Decreto Supremo 038-2001-AG) estabelece: “guarda-parque é parte do pessoal técnico da área natural protegida encarregado de executar diversas atividades relacionadas ao manejo e proteção da área, sob a direção do chefe da mesma. Principalmente é responsável pelas atividades de extensão, difusão, controle e monitoramente. Depende hierarquicamente do chefe da área protegida”
Em alguns países, o controle e vigilância não são realizados unicamente pelos guarda-parques; em outros, nem tem essa competência. No México, quem a tem é a Procuradoria Federal de Proteção do Ambiente (PROFEPA), criada em 1992 através do Programa de Inspeção e Vigilância, que coordena com a Comissão nacional de Áreas Protegidas (CONANP) a cobertura de 55 áreas naturais protegidas terrestres .
Para esse tipo de tarefas, o respaldo legal e a figura jurídica do guarda-parque são importantes. Alguns países os consideram agentes de ordem pública (Paraguai, Art. 44, lei 352/94); outros, polícia administrativa (Argentina, Art. 33, lei 2235/81), com competência para aplicação da normativa emitida pelo organismo que administra as áreas protegidas, estando reservadas outras funções às forças de segurança.
A quantidade de funções e o tempo que os guarda-parques destinam a cada uma das seis funções mencionadas podem ser utilizados como indicadores da complexidade e/ou grau de desenvolvimento da unidade de conservação onde são desempenhadas, bem como das ameaças.
Por exemplo, se o controle e vigilância, na forma de patrulhamento ocupam 70% do tempo, e o resto do tempo em relações com a comunidade, pode-se deduzir que as ameaças por intrusos e a relação com a população são muito importantes.
Isso já é uma orientação sobre as necessidades de capacitação desse pessoal, que no caso podem ser ferramentas para resolução de conflitos e negociação.

Guarda-parques, guarda-recursos, guarda-fauna, guardas florestais, guardas ambientais, vigilantes da natureza
Essas são denominações da mesma função nas Américas, e também na Espanha e em Portugal. Em alguns países da América Central o nome guarda-recursos é mais utilizado; na América do Sul, o de guarda-parques. Há uma confluência no uso desse último, pois é uma palavra de reconhecimento social em nível mundial.

Guarda-parques “tradicionais”, comunitários, indígenas
Os guardas definidos como “tradicionais” são aqueles que atuam em órgãos estatais que tem sob sua administração o sistema de áreas protegidas, com competência e funções dadas pela lei e suas regulamentações.
É comum que as leis que criam seus sistemas de áreas protegidas tenham um artigo que crie seu corpo de guarda-parques. Logo na sua regulamentação, mediante decreto, será estabelecido como desempenharão suas tarefas. Baixando na pirâmide jurídica, o órgão competente estabelece outras normas, como uso e características do uniforme, procedimentos administrativos de controle, etc.
O pessoal que compõe o corpo de guarda-parque ingressará em um sistema hierárquico e dependerá do chefe da unidade de conservação, posto a que poucas vezes chegam os guarda-parques, por dois motivos: em primeiro lugar, porque as normativas não definem um quadro de carreiras, em que se possa, por exemplo, chegar ao cargo de chefe de guarda-parques e depois a chefe da unidade; em segundo lugar por que se exige uma titulação a qual, em poucos países o pessoal de campo consegue ter.
Na América latina, a Argentina é o único país em que quase todos os parques nacionais são conduzidos por guarda-parques, cargo em que chegaram por concurso, ou designados pela autoridade máxima caso não tenha acontecido o concurso. A normativa existente não contempla que esse posto seja parte da carreira.
Definir guardas comunitários não é tão simples; encontramos situações tão diferentes em toda a América Latina e Caribe, a ponto dos diferentes modelos serem objeto de estudo no Equador (Contreras et al, 2007). Em certos casos são confundidos com guardas indígenas, ou guarda-parques comunitários indígenas.
A princípio podemos destacar que uma das estratégias utilizadas para resolver conflitos sobre se os usos da terra e dos recursos naturais são legais ou ilegais, e conflitos em territórios indígenas, é a de utilizar a figura do guarda-parque. São utilizados mecanismos de convocar membros das comunidades vizinhas, mestiços ou indígenas, capacitá-los e em alguns casos incorporá-los à função pública.
Na Venezuela, em fevereiro de 2009, o Instituto nacional de parques (Inparques) graduou um total de 14 novos guarda-parques comunitários no setor de La Providencia, em San Rafael de Mucuchies, no estado de Mérida. “Esses novos graduandos cumprirão a função de proteger e preservar todas as áreas situadas nesse setor, que vem sendo protegidas pelo estado venezuelano por sua beleza cênica natural, ou pela flora de importância nacional que nelas se encontram, denominadas parques nacionais ou monumentos naturais... Finalmente, acrescentou que dois dos graduandos ingressarão como pessoal fixo do Inparques nos próximos dias, enquanto os demais trabalharão ad honorem como guarda-parques comunitários, sob a supervisão e tutoria da instituição .
No Equador, os guarda-parques comunitários surgiram para cobrir a falta de pessoal, tornando-se uma estratégia para impulsionar a participação comunitária na conservação de áreas protegidas (Jervis, Mosquera e Maiguashca 2001).
No Projeto Bio-Reserva do Condor, o Programa de Guarda-parque Comunitário, que é considerado um dos êxitos do projeto, teve seu pessoal contratado pela Fundação Antisana; na Reserva Ecológica Cayambe-Coca utilizaram membros eleitos pelas comunidades situadas no interior da área protegida (Jervis, Mosquera e Maiguashca op. cit.; Fondo Para la Protección del Agua, 2008).
O caso da “Fundação Ecológica Rumicocha apóia a conservação e proteção dos recursos naturais da Reserva Ecológica Cayambe-Coca através do programa de guarda-parques comunitários. Atualmente mais de 30 comunidades andinas e paróquias da Amazônia participam do programa, por intermédio de líderes designados pelas comunidades ou paróquias, que se constituem guarda-parques comunitários e são a ligação entre a comunidade e a administração da Reserva Ecológica Cayambe-Coca. Diante das crescentes ameaças aos recursos naturais, não existiam recursos financeiros nem pessoal que pudessem neutralizá-las ou eliminá-las; mas as alianças e convênios com comunidades e juntas paroquiais permitem, por meio dos guarda-parques comunitários, contar com a ação e participação das comunidades em atividades que vão desde apoios a controle e patrulhamento, até gestão de ações e projetos para proteger os recursos naturais. Em 2005 existem guarda-parques financiados pelo Projeto Parques em perigo, com o apoio da The Nature Conservancy e USAID, da Empresa de Agua Potable Quito, (EMAAP-Q), do Fundo para conservação de água para Quito (FONAG), entre outros ”.
No parque nacional Yasuní foram incorporados 20 guarda-parques comunitários da etnia Huaorani, mais precisamente na área de conflito pela exploração ilegal de madeira .
Na Nicarágua, a Associação de Guarda-parques Comunitários de Mahogany “tem como missão proteger os recursos naturais existentes na zona dás áreas úmidas de Mahogany e seus arredores para garantir, com um grande enfoque de integridade e sustentabilidade, a preservação e melhoria dos recursos naturais existentes, com fim de conseguir um maior equilíbrio ecológico nos setores comunitários de menores recursos econômicos “. Para financiar suas atividades, apresentaram projetos em nível internacional, e como diz seu nome, funcionam como uma associação civil.
Sobre a autoridade desse modelo de guarda-parques, Parques em Perigo (2007) diz que “esses guarda-parques são os encarregados de fazer cumprir os regulamentos e sanções que as próprias comunidades estabeleceram para aqueles que descumpram as regras de conservação da Reserva. ... o sistema de sanções e regulamentos é mais expedito e eficaz, já que se ajusta às leis e tradições próprias das comunidades. No caso dos infratores serem membros alheios à comunidade, é o Estado que impõe as sanções”.
Em muitos casos os guarda-parques comunitários e/ou indígenas surgiram à luz da ocupação de seus próprios territórios.
No México, em particular, foram criadas áreas protegidas sobrepostas a territórios indígenas Chales, Tzeltales, Lacandones y Tojolabales, por solicitação expressa das comunidades indígenas. Para evitar invasões e salvaguardar o meio ambiente, foi estabelecido um sistema de guarda-parques comunitários . A CONANP chegou a solicitar uma consultoria de apoio à vigilância comunitária na Selva Lancadona, denominada “Vigilância Comunitária Cerros Azules” (CONANP / FMCN, 2008).
No Brasil, na Terra Indígena do Tumucumaque, que faz fronteira com o Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, a organização ACT ministra aos indígenas cursos de formação de guarda-parques, que realizam tarefas próprias de guarda-parques (como voluntários) no território indígena (M. Segalerba com. pess.). Os egressos dos cursos criaram uma Associação de Guarda-parques do Estado do Amapá, e se reuniram com o governador solicitando a criação de um corpo estadual de guarda-parques (Barros, 2009).
Na Colômbia, a Associação de Comunidades Indígenas Tandachiridu Inganokuna solicitou a criação do Parque Nacional Natural Alto Fragua Indiwasi (Departamento de Caquetá), de 77.000 hectares, no sopé das montanhas amazônicas colombianas, que cobrem seu território de ocupação ancestral. Esse parque nacional tem o duplo propósito de conservação biológica e cultural. Essa associação de comunidades solicitou ingressar na Federação Internacional de Guarda-parques, considerando que seu trabalho de proteção é similar ao dos guarda-parques tradicionais, pois tem como objetivo a conservação, realizam tarefas de controle sobre corte de madeira e caça e estabeleceram quatro postos de controle indígena (ACITI, 2006).
Encontramos guardas indígenas na Nicarágua (voluntários na Reserva da Biosfera Bosawás); nesse caso, dividem as tarefas com os guarda-parques “oficiais”, que são empregados do Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais. Os voluntários não recebem pagamento, apenas ajuda de custo . “A formação do corpo de guardas fez parte do processo de fortalecimento da capacidade das comunidades indígenas para manejar com autonomia os territórios e o uso dos recursos naturais, já que adquiriram a responsabilidade de formular e implementar os planos de manejo, a manutenção das linhas de demarcação e o desenvolvimento de estratégias de educação ambiental” (Stocks, Beauvais e Jarquín, 1998, em González e Martin 2007).
Na Bio-Reserva Condor, no Equador, os guardas indígenas criaram seu próprio sistema de patrulha, com brigadas de cinco pessoas, na qual cada uma tem uma especialidade (GPS, primeiros socorros, monitoramento, etc.). Esse esquema de trabalho foi desenvolvido pelos próprios indígenas em função das dificuldades do terreno e seus perigos (Parques em Perigo op. cit.).
Foram encontrados alguns inconvenientes e interferências no funcionamento tradicional da comunidade ou da população indígena: receber um salário estabelece uma diferença com o resto dos membros; a desaparição do homem do grupo familiar (pois poucas mulheres são convocadas para essa função) implica em uma nova distribuição de papéis e responsabilidades, sobrecarregando mulheres e crianças.

Corpo de Guarda-parques – Profissionalização
A situação mais comum é que as unidades de conservação convoquem membros da comunidade para serem guarda-parques (não confundir com a figura dos guarda-parques comunitários), mediante contrato, e em algumas circunstâncias são as próprias comunidades que indicam determinadas pessoas. O Estado propicia capacitação em serviço, na prática, e algumas vezes oferecem capacitação via ONGs que trabalham nessas áreas. Nesses casos, a maioria das vezes os temas da capacitação estão vinculados a ciências naturais e técnicas de monitoramento.
Esse pessoal se dedicará durante toda sua vida de trabalhador a uma unidade de conservação.
Por exemplo, “Salvanatura, de El Salvador, só considera pessoas do local como guarda-parques, e para níveis técnicos levam em conta experiência prévia” (de la Maza, Cadena, González y Piguerón Wirz. 2003).
Que sejam “pessoas do local”, o que podemos traduzir como moradores das comunidades vizinhas ou internas às unidades de conservação tem seus benefícios e inconvenientes.
Às vezes são ex-caçadores clandestinos, cujo conhecimento é utilizado a favor da proteção, como se comprova na Bolívia e nas palavras dos próprios guarda-parques no documentário “La Línea Roja” , conhecimento que permite estabelecer programas mais efetivos de proteção, patrulhamento e rondas.
O inconveniente mais comum é como exercer sua função frente a familiares (pais, irmãos), amigos e conhecidos.
A discussão sobre se esse mecanismo continua sendo viável está acontecendo cada vez mais abertamente, pois evidencia uma crise no sistema. Em um curso internacional recente sobre áreas protegidas e paisagens sustentáveis. Desenvolvido na Amazônia peruana, foi apresentada como ponto central do debate no módulo “Áreas protegidas e pessoas” a seguinte pergunta: “é conveniente que o guarda-parque seja parte da comunidade local?”. Entre os participantes havia ex-guarda-parques, chefes de áreas protegidas, prefeitos e outros (A. Tovar com. pess.).
O que significa um corpo de guarda-parques a nível nacional ou estadual? É a forma de organizar uma parte dos funcionários das áreas protegidas que tem funções especiais que incluem controle e vigilância; em alguns países inclui até o porte de armas.
A existência de um corpo nacional de guarda-parques permite, por um lado, estabelecer uma carreira que supere as instâncias locais, o que pode tornar atrativo um posto de trabalho. Também está diretamente ligada à profissionalização da função.
Além disso, permite um sistema de rodízio em que os guarda-parques possam trabalhar em diversas unidades do sistema, como é o caso da Argentina. Esse sistema traz uma possibilidade muito efetiva de treinamento, o que também está ligado à profissionalização.
Isso nos leva a outro aspecto fundamental, vinculado à educação básica e à formação como guarda-parque. No Chile, um alto funcionário- Carlos Weber Bonte, Diretor Executivo da Corporação Nacional Florestal, CONAF - referindo-se à assinatura de um convênio que permite que os guarda-parques tenham nível superior, disse que “o desafio para os guarda-parques foi mudando. Há 30 anoso padrão de educação deles era a educação básica, hoje é a educação de nível médio. Esse convênio busca um novo padrão dos guarda-parques, de modo que tenham educação superior como norma, generalidade” (IDMA 2006).
Na Argentina, a capacitação dos guarda-parques nacionais começou na década de 1930; no final dos anos 1960 foi criada a Escola de Guarda-parques, que logo passou a chamar-se Centro de Instrução de Guarda-parques (CIG), que funcionou até meados dos anos 1990. Só os egressos dessas instituições dependentes da Administração de Parques Nacionais (APN) ingressavam no Corpo Nacional de Guarda-parques.
É preciso ter curso secundário concluído, e passar por um processo de seleção. A APN certificava e entregava um diploma de aprovação.
Depois da etapa da CIG, a APN se vinculou formalmente via convênios a universidades nacionais: a Universidade Nacional de Comahue, a Universidade Nacional de Tucumán e finalmente, com a Universidade Nacional de Buenos Aires.
As duas últimas criaram cursos técnicos universitários (em Manejo de Áreas Protegidas), e esse título passou a ser exigido para o ingresso no Corpo Nacional de Guarda-parques. Atualmente a APN e a Universidade nacional de Buenos Aires ministram esse curso técnico no Centro de Formação e Capacitação em Áreas Protegidas .
Talvez por ser o único país da região com um processo tão antigo e regular de formação de guarda-parques para ingresso no Sistema de Áreas Protegidas, o benefício para os que passam no processo de seleção e terminam o curso técnico é a garantia de emprego imediato, pois ingressa, no quadro permanente do Estado, no escalão Guarda-parques.
Na atualidade podemos dizer que em quase todos os países da região foram criados cursos curtos, carreiras (públicas e privadas), e existem instituições públicas e privadas que oferecem formação e capacitação dirigida a guarda-parques, em nível de segundo grau ou universitário.
Às vezes dependem dos organismos que administram as áreas protegidas; quando não é assim, as instituições acadêmicas estabelecem mecanismos de cooperação para que seus estudantes realizem práticas nas unidades de conservação.
Poucos países tem um sistema de capacitação oferecido para os guarda-parques que estão em serviço, ou então não tem havido continuidade no processo. Isso é particularmente complicado quando está estabelecida uma carreira e as promoções dependem ou tem como requisito a conclusão de cursos de capacitação, e esses não são oferecidos.
Na Venezuela, um trabalho para identificar as necessidades de capacitação (Pellegrini e Invernón 2007) destaca nas suas conclusões que “todo programa de formação de recursos humanos deve partir não só da missão e dos fins estabelecidos para a instituição, mas que também deve levar em consideração as qualidades e condições do pessoal ao qual estará dirigido”.
Para finalizar esse assunto, citamos de la Maza, Cadena González e Piguerón Wirz (op. cit.): “se menciona com frequência os guarda-parques como um grupo que está sendo capacitado continuamente, embora apenas em quatro países exista um programa específico para eles (Argentina, Bahamas, Bolívia e Equador). Na Bolívia eles são capacitados em temas como fiscalização, extensão e auxílio técnico para programas de manejo, em cursos presenciais, à distância e por intercâmbio de guarda-parques”.
Isso mudou a partir de 2003, mais no papel do que como ação efetiva. O financiamento está difícil de obter. Com a crise financeira mundial se espera um agravamento na situação; as maiores ONGs do mundo com presença na região, que financiam tanto o salário como a capacitação de guarda-parques, em fevereiro de 2009 já haviam deixado sem trabalho centenas de empregados, o mesmo ocorrendo com os projetos vinculados a agências de cooperação internacional, que também financiam na região programas vinculados a áreas protegidas e a guarda-parques.
O que é indubitável é que a figura do guarda-parque está mudando, em um processo claro de profissionalização, apesar de alguns países não darem a devida atenção a seu trabalho, o que se pode perceber ao analisar o salário, geralmente inferior a outros trabalhadores de mesmo nível na mesma instituição em que estão empregados.
Todo processo implica em ajustes e a coexistência de pessoal de diferentes níveis. Por exemplo, os guarda-parques recém contratados podem ter nível universitário, enquanto alguns de seus superiores hierárquicos só tenham recebido uma capacitação inicial. Por isso, as reestruturações e normativas devem considerar essas circunstâncias, para resolver situações de conflito interno.

Ameaças
Vamos considerar dois tipos de ameaça que tem pontos em comum.
Uma reside nas condições de trabalho, vinculadas diretamente a fontes de financiamento que pagam os salários dos guarda-parques. A outra é externa, talvez não aplicável a todos os países e regiões de cada país, mas presente de alguma maneira, que é o risco que correm os guarda-parques no exercício diário de suas atividades.
As condições de trabalho estão diretamente relacionadas à motivação e satisfação do pessoal, e já vimos que são contempladas nas avaliações SOS sitemas de áreas protegidas (Sánchez op. cit.).
As condições de trabalho tem, entre outros, três elementos constituintes: a) formação/capacitação; b) carreira/estabilidade de trabalho (inclui salário de acordo com tarefas e adicionais por atividade de risco, zona remota, etc.); c) apoio logístico e respaldo legal.
A formação e capacitação é um componente importante no ingresso ao trabalho; a capacitação permanente em serviço permite que o pessoal possa atuar acompanhando a evolução do sistema, e é um estímulo (González e Martin op. cit.). É “chover no molhado” dizer que a melhor formação e capacitação devem refletir no salário e na carreira dentro da instituição.
A origem dos fundos com que são financiados os guarda-parques é relevante, pois a estabilidade de trabalho do sistema de áreas protegidas depende muito desse aspecto.
Em março de 2007, em uma missão à Bolívia, constatei que os guarda-parques não recebiam seus salários há 3 meses; o motivo era que a fonte de financiamento para seu pagamento era externa, e as mudanças políticas haviam produzido o congelamento de ajuda externa; como consequência, o pessoal de campo ficava sem pagamento.
“No SINAP da Nicarágua, constatou-se que dos 179 guarda-parques, perto de 92 são pagos por diferentes fontes “não permanentes”, entre as quais ONGs, contrapartidas nacionais, fundações, prefeituras, e até voluntariado. No caso de El Salvador, de aproximadamente 283 funcionários de campo, 178 (63%) são pagos por ONGs...” (CBM-CI, PROARCA, TNC-WCPA, 2003).
Na Costa Rica, “há aportes privados que facilitam a gestão e vigilância das áreas protegidas estatais. Um exemplo disso é o financiamento de guarda-parques: cerca de 22% desses funcionários são pagos por organizações não governamentais. Como se apontou no X Informe, esse apoio é fundamental, pois segundo um estudo do SINAC, se esse financiamento desaparecer, a presença de guarda-parques passaria de um a cada 3.262 ha pra um a cada 5.000 ha” (Merino e Sol, 2005).
Para Parques em Perigo (2007), “além das remunerações financeiras, oferecer incentivos para os guarda-parques é uma estratégia que ajuda a garantir sua permanência, premia seu compromisso com a conservação da natureza e o trabalho comunitário. Com relação à remuneração financeira, além do salário, oferecer estabilidade no recebimento desses salários se converte em um incentivo importante para assumir seus cargos”.
No II Congresso Latino-Americano de Parques Nacionais e Outras Áreas Protegidas, realizado em outubro de 2007, dentro do simpósio de efetividade de manejo, foi realizada uma oficina denominada Papel dos guarda-parques na gestão efetiva das áreas protegidas, que foi co-coordenado por mim e pelo guarda-parque Marcelo Ochôa. Uma das instruções aos presentes foi não incluir as condições de trabalho no debate, pois eu entendia que o eixo da discussão seria deslocado. Depois de finalizada a oficina, Alan Monroe comentou que esses assuntos afetavam sim a efetividade de manejo. E assim é. É conveniente e necessário admitir que não só os aspectos técnicos, as ameaças globais, etc., colocam em risco as áreas protegidas e afetam sua efetividade.
Sobre o segundo tipo de ameaça, há que se destacar que o tipo de trabalho dos guarda-parques os põe em situação de risco físico (a topografia, o uso de sistemas de transporte em zonas de perigo, etc.) e de vida, em alguns casos pelas características de suas tarefas (controle e vigilância), que os coloca em contato com caçadores e madeireiros ilegais, com comunidades que acham que seus direitos foram afetados; e em outros por desempenhar sua função diretamente em zonas de conflito armado.
Um dos prêmios mais importantes do mundo em conservação de áreas protegidas, o prêmio Fred Packard, foi entregue em diversas ocasiões a guarda-parques, por trabalharem em condições de risco.
Em 1982 foi entregue a Peter Lowe, de Uganda; em 1987 aos guarda-parques do Parque nacional ZaKouma, do Chade, por continuarem suas tarefas em meio a uma guerra civil, sem receber salário nem equipamento de nenhum tipo; ou em 1988 in memorian, a Francisco Ponce, de El Salvador, morto no cumprimento do dever no ano anterior
Em outubro de 2008 foi realizado o Congresso mundial da natureza, organizado pela IUCN em Barcelona, Espanha. Nesse evento, organizações da África Game Rangers Association of Africa, Ezemvelo KZN Wildlife, Wildlife & Environmental Society of South Africa, Cape Nature y el Endangered Wildlife Trust), apresentaram a moção (CGR4.MOT048), “proteção dos guarda-parques dentro das áreas protegidas e zonas adjacentes” (ver Anexo II).
Dos representantes de governos (países e organismos governamentais) 83 votaram a favor, 5 contra e 13 abstenções. Dentre os representantes de organizações não governamentais, 218 votaram a favor, 5 contra e 13 abstenções. Sua aprovação foi um reconhecimento às ameaças que pendem sobre os guarda-parques e sobre as areas protegidas.

Guarda-parques na Antártica
Esse item serve para destacar o trabalho dos guarda-parques no mundo: no território antártico, que situado além dos 60 graus de latitude sul é uma região internacional, com diferentes domínios territoriais. Doze países tem presença com bases permanentes e pesquisas científicas.
Em 1989 o Instituto Antártico Argentino enviou o primeiro guarda-parque à base Antártica Islas Orcadas, que fui eu, autor desse artigo, com a tarefa de auxiliar o trabalho de campo das pesquisas científicas de pessoal com mamíferos marinhos (pinípedes), aves e peixes. Fiquei lá 15 meses, toda uma invernada.
A partir do ano seguinte e até a data de hoje, uma dupla de guarda-parques faz parte do pessoal de inverno dessa base antártica. Duas condições favoreceram a decisão de manter os guarda-parques nessa tarefa: uma delas é a formação em ciências naturais e monitoramento, e outra, o treinamento para trabalhar em condições extremas, que implica em conhecimentos de andinismo, cordas, esqui, náutica, sobrevivência, etc.
Para realizar a Campanha Antártica de Inverno, a Direção de Recursos humanos e Capacitação da Administração de Parques Nacionais convoca a cada ano os guarda-parques interessados, que devem passar por um processo de seleção que inclui exames acadêmicos e psicofísicos estabelecidos pela Direção Nacional da Antártica, que definem uma classificação. Os primeiros classificados participam dessa campanha.
O tempo em que estão dedicados às tarefas antárticas transcorre como se estivessem a serviço em um parque nacional; o salário é incrementado pelo que se denomina de “suplemento antártico”, além de outros benefícios como conta RO dobro o tempo para aposentadoria.
Faz alguns anos os membros da Federação Internacional de Guarda-parques (FIG) incentivam que outros países recorram a guarda-parques para tarefas similares em suas bases, e pleiteiam uma força internacional de guarda-parques que monitorem o impacto de atividades turísticas, entre outras.

Associações - FIG (IRF)
A Federação Internacional de Guarda-parques foi fundada em 1992, ao assinar-se um convênio entre a Countryside Management Association (CMA), representando Inglaterra e Gales, a la Scottish Countryside Rangers Association e a Association of National Park Rangers.
Os objetivos dessa iniciativa foram estabelecer um fórum onde os guarda-parques de todo o mundo pudesses compartilhar experiências bem sucedidas na proteção do patrimônio mundial, e promover a transferência de informação e tecnologia de países que possuam apoio público e tecnologia para aqueles onde isso não ocorre.
Guarda-parques de qualquer país podem unir-se à FIG; o único requisito é que os guarda-parques criem uma associação sem fins de lucro, que os reúna profissionalmente, e solicitar o ingresso.
Integram a Federação associações de mais de 50 países, estados e territórios, bem como associações de guarda-parques indígenas.
Um dos mecanismos mediante o qual os membros se reúnem é um congresso mundial. O primeiro foi realizado na polônia em 1995, seguido do de São José da Costa Rica em 1997, África do Sul em 2000, Austrália em 2003, Escócia em 2003. O próximo se realizará na Bolívia em novembro de 2009. Os documentos finais estão disponíveis na web .
Esse espaço, criado pelos próprios guarda-parques, ainda está em crescimento, e necessita de participação para enriquecer, já tem vínculos com as organizações líderes no mundo da conservação, tendo recebido reconhecimentos mundiais como o Prêmio Jovem Conservacionista da Comissão mundial de áreas protegidas da IUCN .
A Federação criou um Código de Ética para seus membros, que constitui as bases para o desempenho profissional, promove a criação de associações de guarda-parques em todo o mundo e destaca seu trabalho nos âmbitos internacionais da conservação. No Congresso Mundial de Parques Nacionais na África do Sul em 2003, 50 guarda-parques de vários países participaram, identificados claramente para destacar sua presença em cada uma das atividades de que fizeram parte.

Reflexões
O guarda-parque é um funcionário de campo nos sistemas de áreas protegidas do mundo, que em sua origem apenas tinha educação básica e suas tarefas primárias eram rudimentares. Em alguns países ainda hoje se mantêm nessa situação, ou pelo menos não é considerada a importância que tem. Em outros, são profissionais com título universitário e estão hierarquizados de igual para igual com o resto dos funcionários, que em conjunto fazem funcionar a administração das áreas protegidas.
A nível individual (pessoal e familiar), as condições de trabalho afetam seu presente e seu futuro. Um caminho para resolver essa situação é a profissionalização, que inclui uma titulação básica e uma capacitação permanente em serviço, vinculada a uma carreira hierárquica.
Isso não pode ser feito se os órgãos que administram as áreas protegidas não criarem condições para que isso ocorra.
A motivação para os órgãos e instituições que administram as áreas naturais protegidas é que a efetividade dessas unidades de conservação também está vinculada à profissionalização dos guarda-parques, quer sejam áreas protegidas estatais, comunitárias, privadas ou de indígenas.

Agradecimentos
A Matilde Encabo pela leitura crítica do manuscrito.

Referências
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Daniel Paes Barreto
Centro de Formação e Capacitação em Áreas Protegidas – APN, Argentina; representante sul-americano da Federação Internacional de Guarda-parques


Por: Daniel Paes Barreto

3 comentários:

  • excelente resenha da diversidade que a profissão de "vigilante da natureza" representa, ajustada às comunidades naturais, sociais e políticas que nos permite perceber melhor o que falta fazer em Portugal, quer pela administração, quer pela população, mas sobretudo pelos próprios profissionais, de forma a colocar a actuação diária e a excelência intrínseca da profissão na mesma sintonia.

    26 de novembro de 2009 às 10:24

  • Concordo plenamente!!

    Embora o artigo se resuma básicamente aos colegas da América Latina, com características de actuação maioritáriamente diferentes, o "sumo" da interacção em todos os aspectos que referiste, está lá.
    Que sirva para que aprendamos (pelo menos nós) com isto.

    28 de novembro de 2009 às 02:01

  • O Daniel Paz, é um marco na história da Argentina e não só. Continua a trabalhar com afinco na divulgação destas classes. Raramente comento um artigo, acho que não comentar este.

    Está demasiado bom!!!

    Carlos Santos

    28 de novembro de 2009 às 16:45

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