Relação entre a nutrição e crise ambiental é um dos painéis do congresso da Associação dos Nutricionistas que começa hoje em Lisboa.
O número de pessoas no mundo foi crescendo a par e passo com a quantidade de alimentos. Ter comida no prato passou a ser uma questão de dinheiro. Contudo, a crise dos cereais de 2006 e 2007 introduziu um novo ingrediente nesta receita. E quando a produção não dá mesmo resposta à procura? Um grupo de especialistas debate hoje, no âmbito do IX Congresso de Nutrição e Alimentação da Associação Portuguesa dos Nutricionistas, que está a decorrer no Centro de Congressos de Lisboa, qual a melhor solução. Ao PÚBLICO todos foram unânimes em dizer que a colher está do lado dos consumidores. "Precisamos todos de ser um bocadinho mais vegetarianos", resumiu Viriato Soromenho-Marques, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Para o também coordenador do Programa Gulbenkian Ambiente, o comportamento nas últimas décadas permitiu que conseguíssemos obter food safety (segurança dos alimentos) mas comprometeu a food security, isto é, a disponibilidade dos mesmos. "Estamos numa situação muito frágil com stocks de apenas algumas semanas." No caso português, em comparação com os países da União Europeia, a situação é complexa: a taxa de dependência na alimentação ascende aos 65 por cento.
Questionado sobre se não houve especulação na recente crise, Soromenho-Marques defendeu que "essa é apenas uma parte da explicação" e que o problema das alterações climáticas será cada vez mais recorrente, dando como exemplo de eventuais perturbações na produção o vulcão islandês. Evitar desperdícios será também outra das apostas. Há estudos que indicam que metade da produção mundial acaba no lixo.
Por outro lado, destacou que os cereais - "a base da alimentação humana e animal" - estão a ser utilizados na produção de biocombustíveis. "O milho ou se coloca nos depósitos dos carros ou na barriga das pessoas." Para o especialista faz sentido gerir a questão mais do lado da procura de alimentos do que da oferta. Quer isto dizer que os países desenvolvidos devem optar por alimentos produzidos localmente e reduzir o consumo de carne para que os países como a China, que praticamente duplicaram a quantidade consumida, tenham margem.
"O grande papel do nutricionista é ajudar a adaptar a alimentação à realidade local, a cada momento, pelo que era importante investir na literacia alimentar desde o pré-escolar", insistiu, por seu lado, Alexandra Bento, presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas. A especialista destacou como "muito positivas" as novas tendências das hortas urbanas e afirmou que era determinante que a comida portuguesa "voltasse a estar na moda", assim como a dieta mediterrânica. "Os chefes de cozinha têm de ser aliados da saúde", resumiu. Soromenho-Marques, a este propósito, disse que se deve passar do modelo do "boxe" para o modelo do "judo", ou seja, "trabalhar com a Terra e não contra ela", o que passa por deixar de considerar que "ser evoluído" é ter na mesa alimentos de vários países.
O dedo na ferida da fome - que afecta mil milhões de pessoas - é colocado por Ana Monteiro, geógrafa e professora no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. A especialista destacou que a falta de comida existe, principalmente, nos países que mais produzem. "A existência de produtos não significa que estejam na posse de quem vive nesses lugares." Ana Monteiro lembrou também que doenças como a diabetes, antes associadas à abundância, começam a surgir em zonas desfavorecidas, por exemplo, do Grande Porto - uma situação que pode ser replicada à escala mundial para estas e outras patologias que prometem ser as "Pandemias do Século XXI", o principal tema do congresso.
Fonte: Publico.pt
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