sábado, 3 de julho de 2010

À espera de crias de palanca-negra-gigante na Cangandala

Investigador luso-angolano lançou projecto para salvar a espécie.

Há oito anos, havia quem garantisse que a palanca-negra-gigante (Hippotragus niger variani), que tem os maiores cornos entre todas os antílopes, e que só existe em Angola, estava extinta. Mas o investigador luso-angolano Pedro Vaz Pinto acreditou que não, que ainda haveria exemplares na natureza. Por isso foi à procura deles e conseguiu encontrá-los. Agora está envolvido num projecto para a sua conservação e num estudo genético para traçar a sua história recente.

A caça durante décadas para obter troféus únicos - cornos que chegam a atingir metro e meio de comprimento -, a guerra civil, a caça furtiva organizada para abastecer tropas e comércios clandestinos, a par de toda a desordem que os combates implicam, poderiam ter ditado o fim da emblemática espécie, menos de cem anos depois da sua descoberta, em 1916. Mas isso afinal não aconteceu e, dois anos depois de iniciar a sua busca no terreno, a equipa de Pedro Vaz Pinto conseguiu finalmente fotografar um exemplar. Foi a primeira imagem obtida em 20 anos, no Parque Nacional da Cangandala (PNC), perto de Malanje, 450 quilómetros a leste de Luanda, um dos dois únicos locais onde existe esta espécie endémica de Angola. O outro é a Reserva Integral do Luando (RIL), a uma centena de quilómetros para sul da Cangandala, entre Malanje e o Bié.

Mas essa primeira fotografia foi apenas o início de uma aventura que pode resultar já este ano nas primeiras crias de palanca-negra-gigante no Parque da Cangandala em muitos anos. "Ficaria desapontado se não tivéssemos crias até Outubro", confessa o investigador.

Pedro Vaz Pinto nasceu em Luanda, há 42 anos, e aos três veio para Portugal. Aqui cresceu e estudou engenharia florestal, no Instituto Superior de Agronomia, mas África foi mais forte. "Voltar a Angola era uma inevitabilidade", diz ao DN.

Voltou em 2000, ainda antes do final da guerra, como especialista em ecologia, para o Parque da Kissama. Depois a palanca-negra-gigante impôs-se. Outra inevitabilidade. "Foi como um íman", explica. "É um animal de uma beleza incrível, muito raro, um ícone do país".

Como investigador da Universidade Católica de Angola, Pedro Vaz Pinto lançou então um projecto para avaliar o estado da espécie. Mas primeiro era preciso perceber se ela ainda existia.

Entre 2003 e 2005 o investigador e a sua equipa percorreram o parque da Cangandala, que tem 63 mil hectares, e perceberam por vestígios indirectos - excrementos e rastos de passagem - que a palanca-negra-gigante ainda andava por ali.

Em 2004 instalaram câmaras ocultas, accionadas por infravermelhos e, no ano seguinte, foram finalmente recompensados. À alegria acabaria, no entanto, por seguir-se um choque e uma sensação de incerteza.

As observações posteriores mostraram que na Cangandala não restava mais do que uma manada com nove fêmeas e nenhum macho. Por causa disso, as fêmeas há muito que estavam a cruzar-se com uma outra espécie completamente diferente, a palanca-vermelha (Hippotragus equinus), que ocorre por todo o país, e a gerar animais híbridos e subférteis.

Estes, em número de 12, suplantavam já os exemplares puros da espécie e eram a demonstração perfeita de como este animal estava à beira do fim.

"Este cruzamento da palanca- negra-gigante é uma situação extrema", explica Pedro Vaz Pinto. "Até hoje", adianta, "era conhecido um único caso de híbrido entre palanca-negra-vulgar e palanca-vermelha, no Parque Kruger [África do Sul] e nós identificámos 12 casos". Sem machos na manada, as fêmeas da Cangandala só poderiam reproduzir-se dessa forma.

Era preciso agir depressa e a única hipótese era encontrar um macho na reserva de Luando e levá-lo para o parque da Cangandala. Mas, em 2008, desconhecia-se virtualmente quantas palancas-negras-gigantes haveria nos 828 mil hectares da reserva, e foi preciso lançar essa busca. Iniciou-se então uma corrida contra o tempo, para tentar salvar esta espécie criticamente ameaçada.

Em Maio e Junho do ano passado, a equipa coordenada por Pedro Vaz Pinto já tinha identificado na reserva de Luando as áreas potenciais da palanca-negra-gigante , mas ainda não tinha encontrado nenhuma manada. Isso acabou por acontecer em Agosto. Ao longo de três semanas, os investigadores conseguiram capturar oito machos. Um deles foi transportado de helicóptero para o parque da Cangandala, os outros foram marcados e receberam sistemas de telemetria para serem monitorizados na natureza.

Entretanto, na Cangandala, o macho de Luando e as nove fêmeas foram isolados em 400 hectares vedados, que serão em breve alargados a três mil. As primeiras crias estarão para nascer.

"Penso que chegámos a tempo", diz Pedro Vaz Pinto, consciente no entanto, de que o perigo ainda não passou. Ao todo, no parque e na reserva, não chegarão hoje a cem as palancas-negras-gigantes. Nos anos 70 do século XX havia cerca de dois mil. Ou seja, de então para cá, desapareceram 95 por cento destes animais.

Fonte: Diário de Notícias

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