terça-feira, 20 de julho de 2010

ICNB chumbou construção de cemitério no local onde veio a aprovar o Freeport


Revelação consta do depoimento de técnico da autarquia aos investigadores da Polícia Judiciária. Indeferimento justificado com "pressão humana" gerada pelo equipamento.

O Instituto de Conservação da Natureza (ICN) negou à Câmara Municipal de Alcochete (CMA) a intenção de instalar um cemitério no mesmo local onde, poucos anos depois, viria a viabilizar a construção do Freeport, justificando essa sua decisão com a "pressão humana" que tal equipamento iria gerar numa zona ambientalmente sensível. A revelação consta do depoimento de Vítor Carvalheira, responsável pelo sector de gestão urbanística da CMA, aos investigadores da Polícia Judiciária (PJ) que investigaram o caso Freeport.

Segundo o relatório final da PJ de Setúbal relativo ao processo de licenciamento do outlet de Alcochete, Vítor Carvalheira disse aos investigadores que, "dois ou três anos antes do projecto Freeport", a CMA tinha solicitado parecer ao ICN para a eventual construção de um novo cemitério municipal na zona da antiga fábrica de pneus da Firestone. A resposta foi negativa, alegando os responsáveis daquele instituto que tal equipamento "contrariava o espírito" da Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo e "provocaria o aumento da densidade humana".

Pouco tempo depois, a fábrica seria adquirida pela Freeport Leisure Portugal, SA. E ali surgiria um complexo comercial de cerca de 75 mil metros quadrados, cujos promotores admitiam que seria o destino de meio milhão de pessoas logo no primeiro ano de actividade.

Ofícios sem resposta

Segundo o relatório da PJ, a que o PÚBLICO teve acesso, o antigo chefe de divisão da CMA estranhou quando soube da aprovação, pelo Governo socialista à época, do empreendimento da Freeport, em 14 de Março de 2002, a apenas três dias das eleições legislativas que dariam a vitória ao PSD de Durão Barroso. Carvalheira garantiu aos investigadores que sempre tinha pensado que a declaração de impacto ambiental seria negativa, devido ao facto de o empreendimento estar previsto para uma zona incluída na ZPE do estuário do Tejo e classificada de Reserva Ecológica Nacional (REN).

O relatório final revela também que o antigo director da Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET), António Antunes Dias, se admirou quando soube da viabilização do outlet de Alcochete. E explicitou a sua estupefacção aos investigadores da PJ de Setúbal, recordando que "o Freeport estava a cem metros da zona mais sensível da ZPE, lamas e sapais", o que o deixou "preocupado em termos éticos". É que este precedente exprimia uma dualidade de critérios relativamente a outros promotores a quem fosse negada autorização para construir.

Director da RNET durante 23 anos, Antunes Dias terminou o seu mandato em Abril de 2003 e explicou aos investigadores a sua discordância quanto à alteração da ZPE para viabilizar a construção do complexo comercial. No seu entender, só se justificaria uma alteração caso existissem erros na anterior delimitação.

Antunes Dias revelou ainda que a RNET "tinha sido afastada do processo, situação que sempre tinha achado estranha e injustificável", e que nunca foi pedido à entidade que liderava "qualquer parecer sobre o Freeport" - apesar de, "em conjunto com outros funcionários da RNET", ter pedido informações ao presidente do ICN à época, Carlos Guerra. Ficaram sem resposta pelo menos dois ofícios dirigidos à direcção do ICN, em Junho e Dezembro de 2000. Em Agosto de 2001, a RNET remete nova informação ao presidente do ICN, alertando-o para o facto de o projecto abranger uma área superior à prevista na licença emitida pela CMA.

Fonte: Publico.pt

0 comentários:

Enviar um comentário