Luís Neves Silva vive no Alentejo, mas veio a Lisboa assistir uma conferência sobre biodiversidade e o seu valor no mercado. O Planetazul apanhou-o numa esplanada da Avenida da Liberdade no final do almoço. Apesar do tempo quente não houve tempo para cervejas e caracóis, mas não saímos da mesa até ficarmos a conhecer a relação com o ambiente do coordenador do programa de conservação da Organização Não Governamental (ONG) WWF em Portugal. E porque é que não vive em Lisboa, se foi aí que nasceu?
“Embora seja de Lisboa, assim que acabei o curso saí para trabalhar na área florestal. Tive um par de anos na Cova da Beira, na Beira Interior, que foi o início da minha carreira profissional”, responde ao Planetazul Luís Neves Silva, coordenador do programa de conservação da WWF Portugal.
Luís Neves Silva licenciou-se em Engenharia Florestal, fez uma especialização em Gestão de Recursos Naturais e meteu logo as mãos na terra . “Estive ligado a um projecto na Quinta da França, do qual resultou a constituição de uma empresa, que é a Terra Prima [ainda activa]”.
No fim desses anos mudou-se para o Alentejo e é aí que hoje vive com a família. “No Alentejo ainda tive alguns projectos ligados à parte de investigação, mas depois envolvi-me com algumas empresas ligadas ao Alqueva, nomeadamente no acompanhamento do impacte ambiental e na definição dos projectos e das medidas de minimização [da construção da barragem]”.
Foi nessa altura, durante a construção da barragem do Guadiana, que foi contactado pela WWF. “O primeiro projecto em que me envolvi foi o Programa Sobreiro, que tinha em vista a conservação dos montados de sobreiro e de azinheira. Dentro da parte florestal, que me ocupou os primeiros três anos, envolvemo-nos mais a fundo com a certificação, tendo sido implementado o sistema de certificação do Forest Stewardship Council (FSC)”.
Nos últimos dois anos, o trabalho de Luís Neves Silva e da WWF saiu da floresta e diversificou-se. “Recursos hídricos, em termos do uso responsável da água - publicámos o relatório da pegada hídrica de Portugal - e temos começado a trabalhar com as alterações climáticas”.
Comida e ambiente
Mas a saída de Lisboa não foi só resultado de uma obrigação profissional. “Sei que a questão de fundo na minha vida pessoal foi esta decisão de sair de Lisboa”, começa Luís Neves Silva.
Na opinião do coordenador da WWF é nas cidades médias que está a virtude e é esse o ponto que quer destacar da sua relação com o ambiente ( “Tinha pensado no que iria dizer, porque não vale a pena enumerar 30 coisas”, confessa). “Eu vivo numa cidade média [Vila Nova de Santo André, na costa alentejana] e a qualidade de vida é acima da média. Há infra-estruturas, serviços básicos de saúde, educação, há massa crítica, há vida social. Depois há muitas coisas que a grande cidade tem dificuldades em dar-nos: aí, para levar as crianças à escola, coisa em que eu de manhã gasto menos de três minutos a pé ou de bicicleta, perde-se um tempo infinito; temos espaços naturais onde os posso levar, para eles saberem que a natureza não é uma coisa estranha e distante. Para mim, essa é a decisão de fundo”, acrescenta.
Porém, essa sua decisão de vida e de carreira tem outro lado, menos correcto ambientalmente. “Isto tem um custo. A minha pegada ecológica é essa: estou a 100 km de Lisboa e tenho um trabalho em que faço viagens internacionais”. No meio da urbe, numa das avenidas mais poluídas do mundo, voltamos às vantagens das cidades médias. “Outra das questões que eu acho muito importante são os produtos que nós consumimos no dia-a-dia. A maioria da minha alimentação, cerca de dois terços, é produzida localmente”. Até já dava vontade de ir embora. “Nestes espaços há uma tendência menor para o consumismo. A oferta é menor e a pressão a que somos sujeitos é menor”, continua.
Decisão fora das mãos das pessoas
As vantagens apresentadas por Luís Neves Silva não pretendem ser um mapa, um guia para uma vida sustentável.“São as grandes linhas que têm alguma coerência com a minha vida profissional. Agora, não sou um fundamentalista. E não vejo que seja sequer por aí o caminho. Acho que as coisas têm de ser um misto entre as opções individuais e a própria organização da sociedade”.
A mesa onde nos apoiávamos, culpa dos defeitos da calçada portuguesa, balançava, mas Luís Neves Silva mantinha-se firme: “Só depender das decisões individuais é quase impossível. Até pela complexidade [das mesmas]”. E explica. “Muitos destes produtos têm um percurso muito complexo. O ciclo de vida dos produtos é complicado, mesmo para um especialista. Dizer que é mais eficiente consumirmos um guardanapo de papel ou irmos ao secador de ar quente não é óbvio”. A solução passará, afirma, por “reduzir consumos” e utilizar uma “melhor tecnologia” rumo a uma “sociedade mais eficiente”.
Ainda assim, na opinião do coordenador da ONG, o nosso rectângulo à beira mar nem está tão mau quanto isso. “Uma das coisas que tento contrariar é a ideia de 'que é só neste país', como diz a música do Sérgio Godinho. Acho que não é nada só neste país, somos um país extremamente equilibrado, no meio caminho entre os países ricos e países pobres, hemisfério Sul e Norte. Neste reajustamento que vai ter de haver a nível mundial, somos dos países que menos vai sofrer”.
E qual é esse reajustamento? “A nossa economia tem de entrar num modelo de sustentabilidade económica. Não podemos continuar a olhar da mesma maneira. Isso acabou, atingiu os limites. Não dá para crescer mais”, analisa. Se não fizermos nada para mudar, o mundo “vai implodir e vamos continuar a degradar o nosso estilo de vida”. Há pois aqui uma escolha a ser feita: “Se deixamos para as gerações vindouras a mesma qualidade de vida que nós temos ou se lhes vamos deixar aqueles piores cenários de ficção científica”.
Fonte: http://www.planetazul.pt/
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