domingo, 11 de julho de 2010

“O número de profissionais é insuficiente em todas as Áreas Protegidas”

Francisco Correia é presidente do Conselho Directivo da Associação Portuguesa de Guardas e Vigilantes da Natureza. À Contacto Verde, deu a conhecer um pouco do trabalho destes profissionais e do que consideram que falta fazer para melhorar a vigilância, fiscalização e monitorização do nosso património natural.

Quando e com que objectivos surgiu a APGVN?

A Associação Portuguesa de Guardas e Vigilantes da Natureza (APGVN) iniciou a sua actividade a 4 de Maio de 1989, quando em assembleia-geral foram aprovados os seus estatutos. A 14 de Março de 1990, data da escritura notarial, a associação passou a ter existência legal. A APGVN é uma associação profissional e de defesa do ambiente. A APGVN dedica a sua actividade à tentativa de elevar os padrões profissionais dos Vigilantes da Natureza, para que as áreas naturais e culturais crescentemente e constantemente ameaçadas sejam melhor defendidas.

A APGVN é uma Associação Profissional federada na International Ranger Federation (IRF), registada e reconhecida como Organização Não-Governamental de Ambiente Equiparada (Equiparada a ONGA) pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e filiada como Associação de Defesa do Ambiente na Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente (CPADA).

Quais as actuais funções dos vigilantes da natureza? Pode destacar algumas actividades e iniciativas recentes no âmbito dessas diversas funções?

Os Vigilantes da Natureza, profissionais que têm uma função meritória no que respeita à protecção do património natural, têm a obrigação de assegurar funções de vigilância, fiscalização e monitorização relativas ao ambiente e recursos naturais, no âmbito do domínio hídrico, património natural e conservação da natureza.

Têm, na realidade, diversas competências.

Zelar pelo cumprimento da legislação relativa à conservação da natureza e dos regulamentos das áreas protegidas ou zonas de intervenção. Zelar pelo cumprimento da legislação aplicável à caça, à pesca e aos incêndios florestais em áreas protegidas, bem como da legislação aplicável às acções de reflorestação das mesmas. Proceder à recolha de elementos no âmbito da protecção e recuperação do ambiente, com vista à participação na realização de estudos neste domínio, e colaborar nos levantamentos dos usos, costumes ou práticas culturais no interior das áreas protegidas. Contribuir para a sensibilização das populações no sentido de compatibilizar o desenvolvimento e o bem-estar das mesmas com a conservação da natureza e gestão dos recursos naturais. Colaborar com os visitantes das áreas protegidas, orientando-os e prestando-lhes os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação do sentido da legislação. Verificar a eventual prática de infracções, na área de que são responsáveis, tendo em conta as disposições legais, no que se refere ao domínio hídrico, ambiente, recursos naturais e património natural, e elaborar autos de notícia relativos às infracções por si presenciadas ou verificadas. Dar execução ao embargo, ou outras actuações coercivas determinadas pelas entidades competentes, de obras ou acções que ocorram em violação da lei. Efectuar vistorias, quando necessárias ou requeridas, nos termos da lei. Recolher e tratar informação tendente à tomada de decisão no âmbito dos processos de licenciamento e de análise das reclamações. Verificar o cumprimento da legislação relativa ao domínio hídrico superficial ou subterrâneo, segurança de barragens e outras infra-estruturas hidráulicas, lançamento de efluentes, extracção e exploração de materiais inertes, designadamente pedreiras e estabelecimentos industriais afins, protecção dos ecossistemas costeiros, Reserva Ecológica Nacional, ruído e emissões poluentes, resíduos sólidos urbanos e industriais, queimadas e queima de resíduos a céu aberto.

Os Vigilantes da Natureza das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional nos últimos meses efectuaram o levantamento de todas as sucatas existentes no país.

Os Vigilantes da Natureza do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) fazem diariamente avaliações de prejuízos atribuídos aos lobos. Este trabalho é de extrema importância para a sobrevivência do lobo no nosso país, através do pagamento das indemnizações dos prejuízos causados evita-se a perseguição dos criadores de gado a esta espécie que sobrevive com grandes dificuldades por não existirem presas selvagens em número suficiente.
Os censos de aves e mamíferos fazem parte da rotina diária de muitos destes profissionais.

Colaboram em imensos estudos científicos, estando muito empenhados no trabalho realizado em colaboração com a Universidade Nova de Lisboa que se efectua há mais de um ano e que consiste no estudo genético das populações de mamíferos carnívoros, executam a recolha de amostras de pêlos dos indivíduos feridos quando da administração dos primeiros socorros, procedendo à colheita de pêlos e de tecido muscular de mamíferos carnívoros encontrados mortos.

Com que dificuldades se deparam no exercício da vossa actividade?

A inexistência de divulgação das funções e imagem da profissão de Vigilante da Natureza, originada pela falta de comunicação e promoção fomentada pelo Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território.

O não reconhecimento profissional da carreira de Vigilantes da Natureza por parte da tutela.

A carência no fornecimento da totalidade dos instrumentos e meios de trabalho, adequados às funções e tarefas desempenhadas.

O diminuto número de efectivos, que dificulta a presença constante de profissionais no terreno.

Os meios de transporte são insuficientes e dificultam o cabal desempenho das funções a desempenhar, na sua grande maioria são veículos com muitos anos a circular e que têm constantemente avarias. Na maioria das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e nas Administrações de Região Hidrográfica (ARH) não existem viaturas distribuídas aos Vigilantes da Natureza o que restringe em muito o cumprimento das suas tarefas.

A inexistência de uniforme nas CCDR e nas ARH, com excepção da Região do Algarve, e uma distribuição incompleta das peças do uniforme no ICNB.

Na vossa perspectiva, qual a situação ao nível da vigilância, fiscalização e monitorização nas nossas Áreas Protegidas? Pode referir alguns exemplos ilustrativos?

Existe uma necessidade urgente de reforço dos efectivos do Corpo de Vigilantes da Natureza. O número de profissionais é insuficiente em todas as Áreas Protegidas, não permite a presença permanente no terreno. O exemplo que melhor ilustra a falta de sensibilidade da tutela perante a necessidade de existirem Vigilantes da Natureza está espelhado no Parque Natural do Douro Internacional que não tem nenhum profissional e no Parque Natural do Tejo Internacional que tem apenas um, também na Reserva Natural da Berlenga o número de efectivos não permite a presença constante na ilha.

A fiscalização da actividade cinegética é praticamente inexistente, a escassez de elementos, a falta de meios de persuasão e a falta de apoio por parte da tutela pode levar a situações de grande vulnerabilidade para as espécies que ao longo dos anos nos sacrificámos e arriscámos para proteger.

Existem, também, enormes carências a nível de material para a execução das tarefas de monitorização de espécies, na maioria das vezes a sua aquisição é feita às expensas dos próprios profissionais.

O que consideram que deve ser feito, para uma melhor acção nestes domínios?

Existe a necessidade de fornecimento na totalidade dos instrumentos e meios de trabalho, adequados às funções e tarefas desempenhadas.

Para um desempenho eficaz deveria de existir uma tutela única, de dependência centrada no Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAOT), que unificasse o Corpo de Vigilantes da Natureza.

O reforço da função inspectiva e da autoridade dos Vigilantes da Natureza é um dos factores que permitiria uma melhor defesa do ambiente.

Para que as nossas Áreas Protegidas estivessem realmente a salvo deveria de ser criado um Plano Nacional de Vigilância, Fiscalização e Monitorização.

Torna-se urgente a definição das condições de trabalho, dos fluxos organizativos e comunicacionais, da cadeia de comando, dos procedimentos e operações.

É necessário a instalação de um centro de formação, em parceria com universidades, MAOT e APGVN.

É importante e urgente a criação de condições para práticas de gestão e manejo de espécies e de habitats por Vigilantes da Natureza.

É indispensável o incremento dos investimentos e recursos financeiros para a conservação da natureza e biodiversidade, protecção dos recursos hídricos, ordenamento do território, a disponibilizar aos organismos e em especial os relacionados com as missões dos Vigilantes da Natureza.

Gostaria de apontar, desde já, algumas apostas futuras da APGVN?

Uma das metas que gostaríamos de atingir seria o reconhecimento da importância da profissão por parte da tutela e que culminasse na regulamentação do vínculo de nomeação definitiva à função pública de acordo com a Lei 12 A.

Um dos nossos objectivos é sensibilizar os decisores a encararem a profissão com o respeito que ela merece e que façam a incorporação de elementos da mesma forma que fazem para as outras profissões que têm funções de fiscalização.

A APGVN, ao ter-se candidatado à organização do próximo Congresso Mundial de Ranger’s da International Ranger Federation, em 2011, tem como principal objectivo a divulgação da profissão de Vigilante da Natureza e despertar a opinião pública para a importância da defesa e conservação da natureza.

S.V.

Fonte: http://www.osverdes.pt/contactov.asp?edt=89

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