segunda-feira, 7 de maio de 2012

Polémica das taxas nas áreas protegidas chega ao Parlamento


    Os pedestrianistas mantêm a expectativa de que a tutela seja sensível aos seus argumentos e reveja a lei – que prevê uma taxa de 152 euros para pedidos de organização de caminhadas em áreas protegidas. Entretanto, aguardam respostas a uma carta enviada ao Ministério do Ambiente em que propõem a criação de uma licença anual para a prática de desportos de montanha.

Depois dos protestos na blogosfera e nas redes sociais e das manifestações de 25 de Abril, no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) e nas serras de Aire e dos Candeeiros, a discussão acerca das taxas cobradas pelo Instituto para a Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) chega, esta semana, à Assembleia da República. Na terça-feira, o secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, Daniel Campelo, estará na Comissão Parlamentar de Ambiente, onde o assunto será abordado.

Apesar dos "sinais contraditórios", os caminhantes "têm esperança" de que o Governo seja "sensível" aos protestos, afirma Rui Barbosa, um dos líderes do movimento de contestação às taxas.

Na comissão parlamentar também será discutido um projecto de resolução do Bloco de Esquerda (BE), em que é proposta uma alteração à portaria n.º 138-A/2010, que tem sido contestada pelos praticantes de desportos de montanha. A iniciativa defende "a isenção do pagamento das taxas a particulares, grupos ou associações que pretendam realizar actividades desportivas" nas áreas protegidas nacionais. E, numa recomendação dirigida ao Governo, os deputados bloquistas consideram que esta medida "poderia promover um uso mais responsável" dos parques naturais, "garantindo uma melhor relação entre as entidades gestoras (...) e os cidadãos que pretendem realizar actividades desportivas".

A proposta dos BE vai ao encontro dos argumentos dos pedestrianistas, que esperam que outros partidos venham a manifestar apoio às iniciativas das últimas semanas. Mas, para os caminhantes, a presença do secretário de Estado Daniel Campelo no Parlamento é também uma oportunidade para ouvir uma resposta a questões que lhe foram endereçadas no final do ano passado. "A carta para o ministério foi enviada em finais de Dezembro de 2011 e, até esta data, não houve qualquer resposta", lamenta Rui Barbosa.

O PÚBLICO contactou o Ministério do Ambiente e Agricultura sobre esta matéria, mas o gabinete de Assunção Cristas fez saber que "reserva qualquer novidade sobre o assunto para a audição" de Campelo na Assembleia da República.

Na carta em causa, além dos argumentos contrários à cobrança de taxas pelo ICNB para a autorização de caminhadas e actividades desportivas nas áreas protegidas, o movimento de pedestrianistas faz duas propostas que quer ver implementadas nos parques naturais e no PNPG. Os caminhantes propõem a criação de um banco de voluntariado, constituído por praticantes de desportos de montanha e outros frequentadores habituais das áreas protegidas, que possam ajudar os vigilantes da natureza nas operações de protecção e conservação dos parques.
Acreditam que, desta forma, seria possível ultrapassar o problema de falta de vigilantes, para o qual a associação nacional daqueles profissionais voltou a alertar nos últimos dias. Em Portugal, há 180 vigilantes de natureza em funções, mas a Associação Portuguesa de Guardas e Vigilantes da Natureza (APGVN) considera que o número não chega para cobrir sequer metade do território. O Parque Natural do Douro Internacional tem dois vigilantes para 87 mil hectares, o mesmo número de vigilantes que cobre o Parque Natural do Tejo Internacional.

A outra proposta feita pelos pedestrianistas ao Governo passa pela criação de uma licença anual para actividades de montanha nas áreas protegidas. Desta forma, os praticantes de desportos de natureza pediriam apenas uma licença válida para o ano inteiro, em lugar de pagarem 152 euros de cada vez que solicitassem aos serviços dos parques naturais a autorização para uma caminhada. A proposta é vista com bons olhos pelo ex-vice-presidente do ICNB, Henrique Pereira dos Santos, que a compara à forma como são tratadas as empresas de turismo de natureza, que pedem um licença de actividade e depois estão dispensadas de pedir autorizações posteriores. Também por isso, considera os 152 euros cobrados pelas autorizações de caminhadas "um disparate".

O antigo dirigente esteve ligado à última revisão da legislação para as áreas protegidas e defende a introdução de taxas como uma solução "vulgar e normal" em muitos parques naturais do mundo. "Há um princípio geral de contribuição para as actividades de conservação", explica. No entanto, Pereira dos Santos diz haver uma "interpretação excessiva" por parte de algumas áreas protegidas da taxa por emissão de pareceres. "Não tenho dúvidas nenhumas de que ninguém precisa de pedir autorização ao Estado para caminhar em caminhos públicos", sustenta o especialista.

Henrique Pereira dos Santos reconhece, porém, que a forma "apertada" como o ICNB interpreta a portaria pode ter uma explicação: há grupos informais que, na prática, não passam de grupos formais sem autorização legal. "Não são familiares nem amigos, mas gente que organiza os passeios e cobra dinheiro por isso", denuncia. Nesses casos, "há concorrência desleal" com as empresas de turismo de natureza e é essa realidade que tem tornado difícil aos serviços avaliar "quem são, de facto, os grupos informais".

Mas aí o que falha é a fiscalização por parte do Estado, defende Pereira dos Santos, para quem estes casos entram já no âmbito das actividades económicas. Esse fenómeno levou a ASAE ao terreno no final do ano passado, na sequência de denúncias que visavam alguns destes grupos informais.

Há duas semanas, José Silva, do Clube Natura - grupo de amigos que organiza caminhadas gratuitas "por carolice" -, contava ao PÚBLICO que teve mesmo de acabar com os passeios na serra de Sintra, depois de, em Outubro, a autoridade das actividades económicas lhe ter enviado um ofício acusando-o de "concorrência desleal" e "aquisição de verbas não declaradas".
Fonte: Samuel Silva/Público


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