segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Os admiráveis gorilas-de-montanha de Uganda protegidos pelos Guardaparques

Estou em uma floresta densa, cercado por todo tipo de verdes. Raízes tentam agarrar meus pés, cipós e trepadeiras se enroscam em meus braços. As plantas parecem impedir que eu entre no território reservado. “Esse é um dos piores trechos da caminhada”, diz Godfrey Binayisa, ao ouvir meus sussurros de aflição; o guarda-parque continua a abrir caminho com o facão, desbravando a floresta. “Só falta meia hora para chegar ao destino.”
Além da luta contra a vegetação, agora tenho novo desafio: a trilha se torna íngreme. Checo o altímetro e estamos a 2.200 metros de altitude, 350 metros acima do lugar de onde partimos. Oxigênio, onde está você? O caminho também está mais escorregadio. Agarro uma raiz que deveria estar presa, meu sapato resvala e calça e mãos tomam mais um banho de lama.
A denominação do local explica a aventura. Estamos na Floresta Impenetrável Bwindi. Sim, o nome oficial inclui o adjetivo “impenetrável”. Quase uma redundância, pois Bwindi, em idioma Bakiga, significa tenebroso. A selva fechada e escura guarda um dos principais tesouros de Uganda: cerca de metade da população de gorilas-das-montanhas do mundo, estimada em 2010 em mais de 700 animais. Bwindi é parque nacional desde 1992 e Patrimônio Mundial desde 1994.
Completamos 2h30 horas de esforço quando, do meio do mato, surgem três vultos quase tão tenebrosos como a floresta. Um deles carrega um AK-47. Quando vejo os outros dois homens, fico mais tranquilo: suas armas são um rádio e um GPS. Binayisa nota meu espanto e explica que os três guardas trabalham para o parque. Saíram em busca do grupo de gorilas duas horas antes de nossa partida. Como de costume, os rastreadores foram ao local onde os animais passaram a noite anterior. Os primatas acordaram, fizeram sua primeira refeição e começaram a se movimentar em busca de outros alimentos – sua dieta vegetariana é composta por mais de 60 tipos de plantas e um adulto pode comer 20 quilos de folhas por dia. Os três pares de olhos seguiram o grupo e os guardas sabem agora exatamente onde os animais estão. Estamos prontos para ver os primatas cara a cara.
O guarda-parque lembra as regras do jogo. Manter uma distância mínima de sete metros dos animais. Não fotografar com flash. Não espirrar ou tossir perto dos primatas para que não sejam contaminados. Se algum gorila vier em nossa direção, não olhar diretamente nos olhos dele, baixar a cabeça e seguir as instruções dos guarda-parques. “Teremos uma hora com eles”, afirma Binayisa.
Deixamos a trilha e adentramos o mato dito impenetrável. Depois da caminhada final, exaustiva, nossa recompensa está prestes a acontecer. O guarda que lidera a fila se detém, ergue a cabeça e aponta para uma árvore. A uns dez metros de altura, bem encaixado entre dois galhos, um jovem gorila retira cuidadosamente tufos de musgo da casca e os mete na boca.
Começamos o frenesi fotográfico: apontamos nossas lentes em direção ao primata e disparamos dezenas de imagens em poucos segundos. Nossa presença – e até mesmo a metralhadora de cliques – não interfere na atividade principal do gorila: comer. Mesmo consciente de que está sendo observado, o animal não olha em nossa direção. É como se não existíssemos.
“Os gorilas do grupo Nshongi habituaram-se aos seres humanos há pouco tempo”, diz Binayisa. “Foi um processo lento, que demorou dois anos, com a visita diária de um guarda-parque ao grupo. Depois de acostumados, eles perdem o medo, já não nos consideram como perigo e permitem nossa companhia.”
Até 2011, 123 gorilas-das-montanhas foram habituados à presença humana em Bwindi. Estão divididos em sete grupos – seis deles podem ser visitados por turistas e um está reservado para os pesquisadores. O grupo Nshongi foi um dos últimos a ser habituado aos seres humanos e recebe visitantes desde setembro de 2009.
Binayisa faz um sinal para prosseguir. A poucos metros, encontramos um dos machos adultos, o chamado silver back, o dorso prateado. Ele está sentado no chão, dentro da mata e come passivamente suas folhas preferidas.
Em Bwindi, o grupo Nshongi possui o maior número de indivíduos. Na ocasião, são 34 animais de idades variadas. Ao contrário de outros, o clã contém três machos adultos silver back. “Os três machos convivem em harmonia e sem conflitos, pois dois deles reconhecem a liderança do mais velho”, diz um dos guardas que segue os animais há quatro anos. “É também o grupo com a maior quantidade de bebês neste ano. As oito fêmeas cuidam de oito filhotes com menos de quatro anos.
Os números são positivos. Em 2006, a população de Nshongi era de 26 animais. O censo realizado quatro anos mais tarde, que coincide com o período reprodutivo de uma fêmea gorila, mostrou um crescimento de 30%. Binayisa explica que essa taxa não pode ser extrapolada para outros grupos, pois depende do número de fêmeas de cada bando. O primeiro censo em Bwindi computou 270 animais em 1987. Em 2003, o número saltou para 320 e, em 2006, para 340. O censo de 2010 revelou um número superior a 360 indivíduos. Os números de 2014 ainda não estão disponíveis.
Uma fêmea muda de posição e se senta no chão, a 10 metros de onde estou. Ela tem à frente um conjunto confuso de plantas trepadeiras. Com serenidade, ela separa e desembaralha os ramos que são levados à boca. O ritual pacato simboliza a docilidade e a ternura desses primatas. Passo longos minutos com a teleobjetiva enfocada no rosto dela e consigo notar uma ternura em seu olhar.
“Precisamos voltar. Já estamos aqui a 65 minutos”, avisa Binayisa. Clico as últimas imagens. Estou muito feliz: que sensação extraordinária ter conseguido ver os maravilhosos primatas de tão perto!
FONTE: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/viajologia/noticia/2014/09/bmil-palavrasb-sobre-os-admiraveis-bgorilas-de-montanha-de-ugandab.html

0 comentários:

Enviar um comentário