quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Alterações climáticas: canto das aves dá o alarme


A mudança climática está a mudar a conduta das aves e este fenómeno pode agir como um sistema de advertência sobre os perigos do aquecimento global. Artigo de Ido Liven, da IPS.

“As aves modificarem sua conduta significa que o clima já está mudando”, afirmou Marco Lambertini, presidente da Birdlife International (BI), uma federação mundial dedicada à conservação das aves e de seus habitats. Estes animais são “um excelente sistema de alerta diante do que ocorre com o clima”, ressaltou.

Numerosos estudos pesquisaram as consequências que a mudança climática tem para a sobrevivência, migração e reprodução de distintas espécies de aves. O aumento da temperatura na primavera atrasou a época de cria do papa-moscas-preto (Ficedula hipoleuca) em toda a Europa. Pela mesma razão adiantou-se a reprodução das andorinhas arbóreas na América do Norte e a atrasou nas aves marinhas da Antártida.

“Algumas espécies ganham, outras perdem. Algumas se expandirão e outras ficarão sem habitat”, disse Lambertini à IPS, presente na conferência anual de Observação de Aves realizada em Telavive no mês passado. “Mas, calcula-se que para cada espécie beneficiada (com a mudança climática) outras três têm problemas”, acrescentou. As ameaças que implicam o aquecimento do planeta parecem evidentes para a economia, mas outras consequências nem tanto. “Ainda nos resta considerar o valor intrínseco da natureza, seus valores espirituais, estéticos, emocionais e recreativos, que são tão importantes como o valor económico”, acrescentou.

“A economia dos ecossistemas e a biodiversidade”, um estudo de publicação recente que pretende fixar um preço aos bens naturais da Terra, leva em conta o aspecto aviário. As aves que comem insectos, segundo a análise, desempenham uma função importante na produção de cultivos já que mantêm sob controle as pragas de insectos. “É possível que as pessoas não tenham consciência, mas a situação é grave”, alertou o professor Marcel Visser, diretor do departamento de ecologia animal do Instituto de Ecologia da Holanda. “Já há muitas espécies que estão diminuindo rapidamente”, disse à IPS por telefone.

Um estudo que Visser publicou no ano passado conclui que 12 das 24 espécies de aves europeias analisadas reduziram a distância de suas migrações nos últimos 70 anos. “Sempre existe uma grande variação. Não é o caso de todas as espécies mudarem da mesma forma”, disse. Outro estudo feito por cientistas da britânica Universidade de Durham projeta que para o final deste século nove das 17 aves europeias estudadas poderão ampliar a extensão de suas travessias para o norte.

Um elemento-chave é a existência de alimentos. As alterações climáticas afectam directamente o tempo de crescimento da flora e das aves que se alimentam dela, ou de insectos que são suas presas. Em muitos casos, as migrações de aves já não estão sincronizadas com a abundância de comida. Outros factores conhecidos que dificultam a sobrevivência dos pássaros em terra e no mar são a distribuição das presas e a redução dos habitats.

As aves “têm de se adaptar”, disse Yoram Yom-Tov, da Universidade de Telavive, que encontrou várias espécies na Grã-Bretanha com modificações no peso corporal. “As que não se adaptam, diminuem em quantidade. As que se adaptam, permanecem estáveis ou mesmo prosperam”, explicou. Quando se trata de prever os riscos que as aves sofrerão, os ornitólogos evitam dar números. “Tudo depende de como o clima se comportará. Se a temperatura aumentar dois graus, os padrões serão diferentes do que se essa alta foi de quatro graus”, disse Visser.

Actualmente, a Birdlife International classifica a mudança climática em nono lugar entre as ameaças que afetam as aves, e em junho de 2008 fez uma declaração com a posição formal da organização diante do problema. “Alguns movimentos de conservação – e provavelmente a BI esteja entre eles – reagiram tarde ao desafio. Mas, creio que estamos bem encaminhados para combatê-lo com energia”, disse Lambertini à IPS. As medidas de conservação que visam espécies determinadas de aves não são o caminho para resolver a ameaça que representa as alterações climáticas, segundo Visser. “Só o que se pode fazer é reduzir as emissões de gases-estufa e garantir que a temperatura não aumente mais do que, digamos, um ou dois graus”, acrescentou.

A BI, que tem organizações associadas em mais de cem países, acredita que algumas medidas de mitigação são inadequadas. “As fazendas eólicas mal localizadas, a produção insustentável dos biocombustíveis e métodos prejudiciais de irrigação e contra as inundações implicam novas ameaças e formas de stress para os pássaros e seus habitats”, diz um documento da federação. “Não temos objeção contra as fazendas eólicas. Queremos que estejam em lugares onde não prejudiquem a biodiversidade”, explicou Lamberntini.

De maneira semelhante, enquanto a subida do nível do mar representa uma ameaça tanto para as comunidades costeiras humanas como para os ecossistemas com pouca elevação, a construção inadequada de barreiras pode ser um risco para as aves das margens. “A defesa contra as inundações é algo que precisamos fazer, mas apoiamos a prevenção. Não queremos apagar incêndios”, disse Lambertini. “Se não enfrentarmos o problema na raiz, precisaremos de defesas cada vez maiores. Não é algo factível”, acrescentou.

Um estudo divulgado no ano passado por três universidades do Canadá e dos Estados Unidos diz que os sinsontes machos têm um canto mais complexo em climas mais variáveis. O sinsonte canta para atrair a parceira, e a complexidade do canto pode indicar a qualidade do interprete. Mas, embora se acredite que um som melhor ajuda os trovadores emplumados a adaptarem-se melhor aos climas mais árduos, o ritmo cada vez mais acelerado da mudança climática pode indicar que as aves estejam entoando o seu próprio requiem.

Artigo IPS/Envolverde.

Fonte: Esquerda.net

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