A partir de amanhã, 175 países reúnem-se na convenção da CITES para discutir formas de acabar com o comércio ilegal de espécies, o terceiro mais rentável do mundo
Mais de seis mil milhões de euros movimentados a cada ano e o terceiro lugar no ranking dos tráficos mais lucrativos, depois da droga e das armas. Os factos sobre o tráfico ilegal de espécies animais e vege-tais são impressionantes e vão ser discutidos de amanhã até dia 25 no Cop 15 da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), a decorrer em Doha, Qatar.
É nesta reunião, onde participam 175 países, que se decide as espécies que podem ser comercializadas e aquelas que, por estarem ameaçadas, se tornam ilegais. "O Co p15 da CITES, que se reúne de três em três anos, pretende regular o tráfico de espécies em perigo de extinção", explica ao DN Humberto Rosa, secretário de Estado do Ministério do Ambiente. Nessa reunião são tomadas as decisões mais complexas em relação ao comércio animal: "Decidem-se quais espécies que estão em perigo e aquelas cujo comércio pode influenciar a sua existência", acrescenta João Loureiro, do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB), que irá chefiar a representação portuguesa na cimeira.
Com a assinatura da convenção de Washington (EUA) em 1973, foi dado o primeiro passo para a criação da CITES, o que ocorreu em 1975. A Convenção divide as espécies de fauna e flora selvagem - mais de 35 mil - por três anexos, conforme o grau de perigo a que estão sujeitos. As espécies que não são comercializadas não fazem parte das listas da CITES.
"O Anexo I [onde estão incluídos animais como o elefante ou os gorilas] refere-se às espécies que estão em maior perigo em termos de extinção", explica. "O Anexo II, que envolve a maioria das espécies - cerca de 32 mil -, diz respeito àquelas com problemas de conservação e onde poderá haver problemas caso o comercio não for regulado". É o caso dos leões e os babuínos. O Anexo III é como o II, mas com uma vertente de conservação a nível nacional", explica o técnico do ICNB. Ou seja, varia consoante os países. Em Portugal é o caso do lince-ibérico, apesar de, como assume João Loureiro, "o nosso país não ter grandes espécies autóctones para exportar".
A reunião deste ano vai debruçar--se sobre algumas espécies que se pretende que sejam incluídas no Anexo I e outras que, devido às medidas tomadas, serão passadas para o Anexo II. O atum-rabilho, também conhecido por atum-vermelho, é uma delas. A pesca excessiva deste peixe, do qual o Japão é responsável por 80% uma vez que é muito usado no sushi, fez com que as reservas entrassem em declínio. Outro caso é do urso polar. "Os Estados Unidos propuseram a entrada do urso polar para a sua protecção, não pelo comércio, mas por causa das alterações climáticas", afirma o técnico do ICNB. Há também o caso do coral-vermelho, do crocodilo--de-morelet, da iguana-verde, e do tubarão-elefante que devem ser incluídos no Anexo I.
Em sentido inverso está o comércio de marfim na Zâmbia e Tanzânia, que querem ver legalizada a venda dos dentes de elefante. A sobrepopulação destes animais nos dois países faz como que exista uma reserva de marfim que pode ser vendida. O CITES permite que os países vendam os excedentes. Também existem regulações em relação a quem está autorizado a comprar estas espécies. Por exemplo, o marfim destes países só pode ser vendido à China e Japão, para que estes possam fazer peças de artesanato. "Temos de ter em atenção que o objectivo da CITES não é proibir, mas regular o comércio para não prejudicar as espécies", diz João Loureiro que acrescenta que "nenhuma espécie se extinguiu depois de fazer parte das listas da CITES".
Traficantes trazem ovos de aves à cintura
Saem do avião com toda a descontracção. Caminham em direcção à saída tendo cuidado com a carga que trazem à cintura. Os ovos de papagaio podem valer muito dinheiro para quem quer ter um exemplar em casa. É desta forma que a maioria das aves entra em Portugal. "Os traficantes trazem os ovos à cintura, pois desta forma mantêm a temperatura de gestação das aves. Às vezes aprendemos os traficantes e as aves nascem-nos, literalmente nas mãos", conta João Loureiro, do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB).
São muitas as técnicas usadas pelos traficantes de aves, os animais que entram ilegalmente em maior número em Portugal. No Brasil nasceu uma nova técnica. Os traficantes compram as anilhas de identificação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aos criadores de aves e colocam-nos de forma violenta nos animais adultos. Os resultados são dedos e patas partidas. Em cada dez anilhas do Ibama, pelo menos sete acabam nas mãos de traficantes de aves. Outros são trazidos no meio de aves mais banais. "Há um circuito legal de importação que permite a importação paralela. No meio um conjunto de aves pode-se esconder alguma mais exótica que vai passar sem ser notada", diz o técnico do ICNB. "Entre 95 a 99% das aves morrem na viagem", acrescenta. O instituto também já detectou droga nos animais. Um carregamento de peixes vermelhos vindo da Ásia trazia cocaína diluída na água onde os peixes nadavam.
Portugueses preferem exóticos
Aves exóticas, répteis, anfíbios e primatas são os principais alvos dos gostos extravagantes dos portugueses que compram animais ilegais. América do Sul e África são os locais de onde são provenientes a grande parte destas exportações. "Portugal é uma porta de entrada pelo relacionamento entre nós e os países desses continentes. Desta forma há mais voos regulares que permitem que os ovos e animais sejam trazidos para o nosso país", diz João Loureiro do ICNB.
Dados do Instituto de Conservação da Natureza indicam que as apreensões de animais ilegais variam a cada ano. Se em 2007 houve um aumento de 275 para 363 apreensões, no ano de 2008 esse número caiu para 318.
O número de apreensões feitas nas estradas ou através de denúncias indica que a "saída e entrada de animais ilegais no território nacional é baixa", explicou ao DN o tenente-coronel José Grisante, do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), da Guarda Nacional Republicana. Mas conta que até já encontrou pessoas que tinham leões em casa. "Foi um caso pontual", acrescenta.
"Portugal, devido à geografia, é um importante ponto de passagem de animais [que chegam sobretudo de avião]. Já foi mais, pois antigamente era mais fácil trazer embriões ou ovos de espécies proibidas", diz Rita Silva, da associação ANIMAL, que lamenta a falta de locais para receber as apreensões. "São enviados para os jardins zoológicos, que por vezes têm piores condições ."
O Decreto-Lei 211/09 veio criminalizar as actividades ligadas ao tráfico de animais exóticos, pressionando os proprietários e aumentando as denúncias. "Há pessoas que compram cobras que crescem até se tornar incomportável tê-las em casa. Muitas das denúncias surgem porque alguém se queixa que tem uma cobra perigosa no jardim. No fim descobrimos que foi o vizinho que a deitou no quintal", conta o tenente-coronel.
Outras pessoas preferem abandoná-las em locais em que pensam que o animal vai conseguir sobreviver. "Têm uma tartaruga que cresce demais e vão deitá-la num lago. Mas esse não é o seu habitat e são poucas as hipóteses de sobrevivência. Podem ainda prejudicar as espécies que lá habitavam", diz.
Fonte: Diário de Notícias
sexta-feira, 12 de março de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
0 comentários:
Enviar um comentário