segunda-feira, 19 de abril de 2010

Tito Rosa: «O PO do PNSACV é a oportunidade, não a dificuldade»

Numa altura em que está em discussão pública, até dia 30, a sexta versão da proposta do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, o presidente do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade Tito Rosa falou com o «barlavento» sobre os pontos mais importantes: agricultura, pesca, construção e turismo.

Num ambiente de contestação, pelos limites que a proposta impõe, Tito Rosa assegura que o ICNB não cede a pressões, mas que seguirá um caminho de diálogo.

Por isso, além de já estarem a decorrer reuniões setoriais, quer uma participação pública, com sugestões objetivas e coerentes


barlavento – Na proposta de Plano de Ordenamento (PO) do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, surgem limitações para a agricultura, em especial a tradicional. Como se concilia esta atividade com o Parque?

Tito Rosa - O PO promove o desenvolvimento de atividades agrícolas, no âmbito da dualidade que existe no Parque.
Por um lado, uma agricultura mais competitiva, baseada no Perímetro de Rega, por outro as atividades tradicionais. Há um princípio que não arredamos: o status quo. Nós não queremos atrapalhar as atividades que se desenvolvem, nem os que fizeram os seus investimentos e licenciamentos.
O que dizemos é que as pessoas devem manter a sua atividade. Só há determinados constrangimentos quando quiserem fazer uma reconversão para atividades mais intensivas ou outras. Um exemplo é o das manchas de eucalipto.
Não seria normal fazermos um Plano, onde os arrancássemos e colocássemos árvores autóctones. Aceitamos que os eucaliptos têm o seu ciclo de vida, continuam a produzir, a sua exploração será rentável.
Quando tiverem que ser reconvertidas essas áreas, exigiremos que sejam reconvertidas para árvores autóctones.

b. - Mas em que medida o Plano promove a agricultura ou os produtos?

T.R.- Há um projeto, que está a ser trabalhado com os agricultores de Odemira, no Perímetro de Rega, que prevê promover os seus produtos, nomeadamente os de exportação, com uma mais valia por serem produzidos num Parque Natural.
É possível, porque são sustentáveis a nível do ambiente, criam emprego e são atividades tradicionais.

b. - Outra atividade importante no Parque a nível económico é a pesca profissional. No entanto, o PO proíbe a pesca nos locais para onde vão as embarcações das comunidades piscatórias...

T.R.- Introduzimos a gestão da área marinha com a mesma preocupação que a da área terrestre: a sustentabilidade. Se desenvolvermos a exploração dos recursos tal como agora, sem acompanhamento nem gestão, não haverá futuro para os pescadores.
Por isso, há áreas de proteção total ou parcial, que foram classificadas em função dos seus valores. Reconhecemos a atividade do mariscador, com algumas condicionantes, mas sempre com o objetivo de privilegiar a atividade profissional e os pequenos pescadores.
Também estamos disponíveis para vermos, com eles, a melhor forma de gerir e ajustar a delimitação destas áreas.
Tivemos recentemente uma reunião com os pescadores da Arrifana, onde eles fizeram propostas de ajustamento, que vamos considerar.

b. – E para a pesca lúdica, há restrições previstas no Plano?

T.R.- Neste caso, adotámos as regras da portaria sobre a pesca lúdica que está em vigor.

b. - O diálogo é a palavra chave?

T.R.- Não tenho a mínima dúvida. Respeito a minha missão, mas sempre considerando que o Parque é a vida das pessoas que lá estão. Por isso, estamos nesta discussão pública, abertos a esse confronto de ideias, a propostas objetivas.
E vamos promover uma discussão inédita do Plano, com as reuniões setoriais. Fazer uma reunião no global do Plano não é muito produtivo, porque a proposta é extremamente complexa.
É mais produtivo fazer uma série de reuniões, em cada concelho, com as associações de cada setor, para discutir agricultura, caça, floresta, turismo, lazer, pesca.

b. - Uma contestação das autarquias é a proibição de construir unidades turísticas na linha dos dois quilómetros da costa litoral. Cria-se a ideia de que não se pode construir nada ou não é bem assim?

T.R.- O que queremos é que fique a certeza de que se pode desenvolver e construir, mas de forma ordenada, tendo em vista a promoção de um turismo sustentável.
Privilegiamos turismo de qualidade, com estruturas mais pequenas, baseado no turismo rural e da natureza. Mas também há espaço para hotéis e pousadas de quatro estrelas, contudo, com dimensões que não são super.
No entanto, temos consciência que o destino, em termos de promoção turística do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, não é idêntico ao de outras regiões do país.
O que não queremos é a massificação do turismo, nem promover o turismo de segunda residência, pois leva à construção de muita edificação e a costa não aguenta isso.
Por outro lado, os dois quilómetros são coincidentes com a estratégia nacional de defesa costeira que, em algum momento, teríamos que a aplicar.

b. - O turismo não é uma carta fora do baralho. Pode ser uma das grandes atividades económicas para o Parque?

T.R.- Todas as atividades são importantes. Não desenvolvemos o Plano com base no turismo. Esta atividade é uma oportunidade económica, mas é tão importante desenvolvê-la como a agricultura ou a pesca.
O artigo 56 promove o turismo rural, de natureza, bem como os hotéis de quatro estrelas. No Parque Natural, há muitos bons exemplos, que podem ser seguidos, como o caso da Associação Casas Brancas.
Podem-se construir hotéis, pois as restrições não são suficientemente impeditivas. Muito pelo contrário, promove-os.
É evidente que existem áreas com proteção maior, mas também é claro que o que promovemos é a construção em zonas de menor proteção.

b. - Mas essas são zonas no interior dos concelhos...

T.R.- Não necessariamente. Este não é um parque como os de Montesinho ou Serra da Estrela.
Estamos a falar de uma faixa litoral muito extensa, mas também muito próxima do mar, apesar dos dois quilómetros.
O que é importante é que depois haja investidores para este perfil.

b. - O Plano vai contra o número de camas que ficou definido no Plano Regional de Ordenamento do Algarve?

T.R.- O Plano de Ordenamento é compatível com o Protal. Agora, há que ter presente que isto é um plano especial. É uma área protegida, um sítio de Rede Natura, de proteção especial das aves e de importância comunitária.
Tudo isto são estatutos de proteção que não são impostos pelo ICNB, mas sim pelo Estado e pela comunidade internacional.
Por isso, este Plano, embora compatibilizando-se com os outros planos, no que diz respeito aos valores naturais adquire determinada atitude de proteção e de valorização.

b. - Há áreas de intervenção como o Espartal ou o Martinhal, onde o plano prevê que sejam aplicados planos de pormenor. As situações destas urbanizações serão resolvidas?

T.R.- Sim, através da requalificação. Há várias situações não resolvidas como, por exemplo, em Vila Nova de Milfontes, onde o povoamento e a edificação que se foi criando à volta não tem ordenamento.
Procuraremos, com a Câmara de Odemira, fazer esse ordenamento com regras.
Mas, lá está, a intervenção é no sentido de requalificação, criar as condições adequadas e depois de contenção, para que daqui a 15 ou 20 anos não voltemos a discutir o problema, porque entretanto aumentou para outro sítio.

b. - As situações da Vila Rosalinda (Aljezur), Esparregueira e Acomave (Vila do Bispo) tomam um rumo diferente. Haverá não tanto uma requalificação das urbanizações, mas renaturalização, não é?

T.R.- Consideramos que essas urbanizações ainda não estão desenvolvidos do ponto de vista de construção, ao ponto de tornar a situação irreversível para a natureza, portanto devemos ponderar a renaturalização.
O Plano protege os direitos adquiridos pelas pessoas antes da criação da Área de Paisagem Protegida, quando não era necessário parecer do Parque.
A partir daí, temos dúvidas e ainda existem processos no Ministério Público, por isso vamos aguardar.

b. – Mas, segundo o Plano, poderá haver demolições. Quantas construções virão abaixo?

T.R.- Se for considerado que as situações não foram corretas do ponto de vista formal e legal, compete ao Estado essa responsabilidade.
Não sei dizer em rigor qual a área, apesar de ser significativa. Agora, temos que ponderar tudo isso, pois há duas questões importantes.
Primeiro, estas são urbanizações que não estão tão desenvolvidas assim que a natureza já tenha perdido a batalha.
Segundo, se não estão qualificadas do ponto de vista legal, para se saber qual é a melhor intervenção, logo que esteja mais clarificado, avançaremos com uma solução.

b.- Já a solução para a urbanização de Vale da Telha (Aljezur), tal como todo o Plano, terá que ser articulada com o Polis do Litoral do Sudeste Alentejano e Costa Vicentina, apresentado pelo Governo em Agosto passado. Houve essa atenção?

T.R.- Essa é uma preocupação que tem vindo a ser seguida passo a passo. O ICNB pertence à sociedade de gestão do Polis e seria incompreensível se promovêssemos um plano estratégico, com uma empresa, para depois não ser compatível com o Plano de Ordenamento.
Por isso, temos estado a fazer essa compatibilização, para evitar que haja riscos.

b. - A população que vive no Parque vai ter que arcar com diversas limitações. Haverá contrapartidas para compensar estas pessoas?

T.R.- Para os agricultores, existe uma oportunidade associada à política agrícola comum, podendo serem compensados pelos serviços ambientais que prestam.
Quanto aos outros habitantes, isso é uma boa questão para reflexão. Penso que seria muito interessante fazer uma tónica de discussão desse problema, num contexto mais geral, no sentido da discriminação positiva ou através de medidas de incentivo fiscal, mas o ICNB por si só não pode resolver esse problema.

b. - É prática aceitável noutros países comprar os terrenos das zonas de proteção total. Neste PO temos poucas, mas haverá alguma área a ser comprada pelo Estado?

T.R.- Não temos essa perspetiva para já. É um bom tema, no âmbito da política de conservação da natureza.
Não digo que não venha a ser encarado no futuro, até porque a própria reforma de fundo, mesmo a nível comunitário, pode criar oportunidades nesse sentido. É uma questão que devemos ponderar.

Fonte: Barlavento online

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