segunda-feira, 24 de maio de 2010

'É preciso manter otimismo', diz criador do conceito de biodiversidade


No Dia Internacional da Biodiversidade, em palestra no Palácio dos Bandeirantes em São Paulo, a mensagem que o ambientalista americano Thomas Lovejoy, diretor do Instituto John Henz e consultor do Banco Mundial para sustentabilidade, tinha para passar à plateia não era muito animadora: os recentes estudos mostram um declínio da biodiversidade do mundo, com mais espécies ameaçadas e mais possíveis pontos críticos. Mas Lovejoy acredita que é preciso manter o otimismo. "Precisamos encarar esses resultados não com pessimismo, mas como oportunidades ótimas para melhorar, estudar ainda mais a biodiversidade, criar soluções para a saúde e para a economia, e encontrar uma forma de explorar a biodiversidade de forma sustentável", afirma. O pesquisador é grande entusiasta dos sistemas de pagamentos por serviços ambientais e mecanismos de compensação de carbono, como as Reduções de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redds).

Lovejoy foi o chefe responsável pela revisão da terceira edição do estudo Global Biodiversity Outlook (GBO) e aproveitou a passagem pelo Brasil, para as comemorações do Dia da Biodiversidade planejadas pelo programa Biota da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), para apresentar os resultados do documento, que está sendo lançado em português pelo Ministério do Meio Ambiente na tarde deste sábado, durante as atividades especiais do Viva a Mata no Parque do Ibirapuera. O estudo cruza dados de relatórios como o Living Planet Index e o Red List Index, ambos sobre a diversidade de espécies biológicas no mundo, e apresenta a situação presente, os possíveis cenários do futuro e algumas estratégias para reduzir a perda de biodiversidade.

"A primeira constatação é que o alvo da Convenção da Biodiversidade para 2010, de alcançar uma redução significativa da taxa de perda de biodiversidade no mundo, não foi cumprido pelos países", afirma Lovejoy. A maior parte dos indicadores utilizados no cruzamento de dados mostra quadros negativos. O Living Planet Index aponta para 30% de perda de biodiversidade entre 1970 e 2008, especialmente em áreas tropicais, onde essa redução pode chegar a 60%. A análise do Red List Index, feita pela União Internacional de Conservação da Natureza, entidade responsável por divulgar a lista das espécies ameaçadas de extinção, fala que todos os grupos de espécies, nesse espaço de tempo, caminharam para mais próximo da extinção, com especial atenção para os anfíbios, como grupo mais ameaçado, e para as barreiras de corais, o grupo que apresentou uma taxa mais rápida de aumento da ameaça.

"O cenário, então, mostra a maior parte dos quadros negativos. Mas existem dados otimistas: as áreas protegidas aumentaram", diz Lovejoy. De 1970 a 2008, as áreas de proteção terrestres no mundo saltaram de 4 milhões de quilômetros quadrados para 14 milhões de quilômetros quadrados. As áreas marinhas protegidas também aumentaram.

Mas isso ainda não é um número representativo, pois, de acordo com o alvo de biodiversidade a ser atingido em 2010, pelo menos 10% de cada região biologicamente relevante no mundo deveria estar dentro de uma área protegida. Porém apenas 56% das chamadas 'eco regiões' terrestres e 18% das marinhas alcançaram esta meta.

"E a Amazônia foi um dos locais que aumentou o número de áreas de reserva." A floresta amazônica também mostrou queda de 74% na taxa de desmatamento de 2003 para 2009. Porém a região ainda é considerada no relatório como um dos 'tipping points', locais em que, desrespeitadas as condições de aumento de temperatura e acúmulo de gases-estufa na atmosfera, o limite de recuperação pode ser atingido e não seja possível voltar atrás para restaurar a biodiversidade local. A perda cumulativa de floresta ainda é preocupante, pois a projeção futura indica que o desmatamento chegue a mais de 20% da área da floresta original, o que poderia alterar o ciclo de chuvas na América do Sul e acelerar a savanização da Amazônia. "Para impedir isso, três passos serão necessários: manter o desmatamento em menos de 20% da área original, minimizar o uso de incêndios para abrir a mata e manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2 graus Celsius."

Este último ponto também é crucial para as barreiras de corais. O aumento da temperatura do mar influenciará na relação entre os corais e as algas marinhas. O aumento da acidificação oceânica também contribui para isso, pois prejudica a calcificação dos corais. "Os indicadores mostram que, se nada mudar, no futuro mais de metade dos hábitats marinhos não serão propícios para a formação dos corais", informa Lovejoy. Ele defende que se a temperatura média global passar os 2 graus Celsius e as concentrações de CO2 na atmosfera alcançarem as 450 partes por milhão (ppm), o limite estabelecido pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), esses ecossistemas não sobreviverão. Por isso, é preciso manter a concentração de CO2 em 350 ppm, ainda menor do que a taxa atual, de 390.

Otimismo

De acordo com Lovejoy, esses não são motivos para parar de estudar a biodiversidade e encontrar maneiras de proteger a representatividade dos ecossistemas. Segundo o pesquisador, em outros momentos da vida na Terra, a concentração de CO2 na atmosfera também chegou a níveis altíssimos e foi justamente a biodiversidade que ajudou a reverter a situação, principalmente quando passaram a existir as espécies de fauna e de flora terrestre. "A biodiversidade é a chave para reverter a concentração de CO2 na atmosfera hoje também", indica.

Isso seria possível aprendendo a usar a biodiversidade de forma sustentável, seja para fins científicos, seja para gerar renda para comunidades que habitam em reservas ambientais. A ideia de um mecanismo de Redd também é importante. "Francamente não enxergo uma solução para esta questão sem mecanismos de compensação envolvidos hoje." Para Lovejoy, o Brasil vai despontar como liderança desse processo e também apresentará diversas oportunidades interessantes para a conservação biológica, principalmente com os pagamentos por serviços ambientais em reservas extrativistas amazônicas. "Não significa privatizar a natureza, mas fazer o melhor que pudermos", diz. "Isso vai permitir restaurar os ecossistemas e, com o aumento da biodiversidade, voltar aos limites seguros de concentração de gases na atmosfera."

Fonte: http://www.estadao.com.br/

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