terça-feira, 25 de maio de 2010

Questão: Para que serve a BIODIVERSIDADE?


O Brasil é um dos 12 países megabiodiversos, está entre os mais ricos do mundo em formas de vida.

A jararaca não levou milhares de anos desenvolvendo um veneno poderoso para reverter a hipertensão em corações humanos. O veneno da serpente simplesmente evoluiu no sentido de tornar mais eficiente a caça aos roedores, suas presas habituais. No entanto, alguns homens notaram os efeitos de diferentes substâncias ali contidas e transformaram o veneno num medicamento. O mesmo aconteceu com o veneno da lagarta Lonomia obliqua: embora o inseto o tenha desenvolvido como defesa contra predadores, em sua fase de larva, pesquisadores do Butantan e do Instituto Vital Brasil, de São Paulo, isolaram uma proteína anticoagulante com potencial uso para prevenir doenças de coração e circulação nos casos de entupimento de veias.
Do mesmo modo, a árvore de copaíba não produz seu óleo aromático para livrar humanos de problemas respiratórios. Provavelmente o óleo é uma defesa da planta contra ataques de fungos e parasitas, abundantes nas florestas Amazônica e Atlântica. Mas alguns indígenas e ribeirinhos perceberam a utilidade do óleo e o usam em diferentes aplicações. Isso interessou aos pesquisadores e, nos laboratórios, o óleo agora se desdobra em produtos para as indústrias cosmética e farmacêutica; e em vernizes altamente resistentes a temperaturas elevadas. E se uma fotografia importante tem problemas de contraste e precisa ser recuperada, também é o óleo de copaíba que entra em ação, melhorando a definição da imagem.

Você não tem problemas cardíacos ou pulmonares, nem fotos velhas para restaurar? Bom talvez então interesse saber que uma experiência de apenas 20 dias realizada com doce de buriti — uma palmeira comum no Cerrado brasileiro — acabou com a carência crônica de vitamina A de um grupo de crianças nordestinas de 3 a 12 anos. Ou que o extrato de caju roxo — também do Cerrado — tem alta concentração de substâncias químicas bactericidas e polifenóis, que impedem a aderência de bactérias no esmalte dos dentes e por isso, é um bom candidato a gel odontológico para a prevenção de placa bacteriana e inflamações da gengiva. Ou ainda, que muitos produtores de milho e cana-deaçúcar, de larga escala, recorrem a produtos obtidos a partir da biodiversidade para o combate a pragas. É o caso, por exemplo, da bactéria Bacillus thuringiensis aplicada há mais de duas décadas no combate a lagartas. Seu potencial como defensivo agrícola, eficiente e não tóxico, foi descoberto quando se estudaram algumas lagartas mortas, atacadas por ela.

Na mesma linha, da busca de produtividade agrícola, há o exemplo da soja brasileira (sobretudo a não-transgênica e plantada no Centro-Oeste), em cujas plantações praticamente não se usa adubação nitrogenada artificial, graças às pesquisas da pioneira Johanna Dobereiner, da Embrapa Solos, do Rio de Janeiro. A pesquisadora descobriu bactérias do gênero Rhizobium, que se fixam nas raízes da soja e funcionam como microusinas de extração de nitrogênio do ar.

A alta eficiência das bactérias permite ao país economizar algo entre US$1 e 1,5 bilhão anuais na compra de adubos nitrogenados. Um sucesso que motivou outras pesquisas na mesma linha, como as realizadas na Embrapa Soja, em Londrina (PR) com a bactéria Herbaspirillum seropedicae, capaz de disponibilizar nitrogênio para gramíneas, entre as quais se destacam o milho e o trigo. A estimativa é de que seu uso ajude o país a economizar outros US$ 210 milhões com adubos nitrogenados, só com o milho.

Assim como os exemplos acima, existem milhares de produtos e tecnologias já disponíveis no mercado e já integrados à vida cotidiana, que têm sua origem na diversidade biológica. Podemos não perceber, mas não adianta tentar escapar: somos todos biodependentes.

A biodiversidade está no que comemos, no que vestimos, em nossas casas, nos materiais que manipulamos em nossos trabalhos, nos remédios, nos sabonetes e nos perfumes, e mesmo nas tecnologias mais sofisticadas. E até em equipamentos capazes de salvar nossas vidas: a paina das sumaúmas amazônicas (aquele ‘algodãozinho’ que a árvore solta com suas sementes, como a paineira) é utilizada para enchimento de salvavidas, por ser à prova d’água e não afundar, mesmo molhada.

E se ainda não chegamos à cura do câncer e da AIDS, sempre citadas como um exemplo da importância da conservação da biodiversidade, pelo menos já podemos garantir reforços ao sistema imunológico dos doentes, de modo a ajudá-los a combater essas doenças. Um medicamento produzido pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) a partir da bactéria Propionium bacterium acni, estimula o sistema imunológico e melhora a resposta de pacientes com câncer durante tratamento quimioterápico ou pacientes com AIDS, além de ser usado para prevenir infecções mais simples, como gripes e resfriados, em mudanças de estação.

Em alguns casos, dependemos da biodiversidade como matéria prima; em outros, ela é a inspiração. Existe todo um campo de pesquisa voltado para o desenvolvimento de processos, produtos e materiais inspirados na criatividade da natureza. Chama-se Biomimética. Através da observação das espécies da fauna e da flora, pesquisadores desenvolveram desde ferramentas domésticas, como abridores de latas — inspirados no bico de algumas aves — até pára-quedas ou asas de aviões (da agência espacial norte-americana, NASA, inclusive) inspirados nas sementes aladas altamente aerodinâmicas de algumas plantas.

E a maneira com que as aranhas tecem sua teia inspirou, igualmente, a criação de um novo processo de fabricação de fios, de diversos materiais, sem usar calor, produtos tóxicos ou alta pressão. Tais fios já são usados em produtos tão diferentes quanto cabos de pára-quedas, cabos de pontes suspensas e roupas de proteção.

Mais exemplos? A mesma cola usada pelos mariscos na fixação em pedras à beira-mar virou um produto comercial usado na indústria naval e um adesivo para suturas cirúrgicas, dispensando a costura. E, como se sabe, a idéia para o desenvolvimento de sonares e radares veio dos sistemas de ecolocalização de morcegos e golfinhos. Mas, aqui no Brasil, há pesquisadores da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp) trabalhando com o princípio do sonar de morcegos para fazer medidores de vazão de gás natural mais eficientes, uma pesquisa acompanhada com interesse (e apoio financeiro) pela Petrobrás.
Em todos os casos, para usar a biodiversidade em benefício da Humanidade, há sempre três condições obrigatórias: que a biodiversidade exista; que as espécies sejam conhecidas, em suas características e funções, e que se invista em pesquisa para identificar novas aplicações.

A primeira condição — a existência da biodiversidade — hoje depende de um imenso esforço mundial de conservação, visto que a biodiversidade encontra-se criticamente ameaçada pelo aumento exponencial da população humana na Terra e pela expansão de todas as atividades necessárias para atender às necessidades básicas dessa população: produção de alimentos, água, energia, bens de consumo, mineração, e assim por diante. Fragmentação de áreas naturais, perda de hábitat, poluição, competição com espécies invasoras, assoreamento de corpos d’água, construção de represas, disseminação de doenças, e mesmo preconceito (contra animais considerados perigosos ou repulsivos e, por isso, mortos indiscriminadamente) estão entre as principais causas do aumento de risco de extinção das espécies.

Vale lembrar que “nem todos os países são iguais em diversidade biológica”, como diz Russel Mittermeier, presidente da Conservação Intenacional (CI). “Dotado de uma extraordinária biodiversidade, o Brasil é reconhecido como um paraíso mesmo entre as nações com grande riqueza natural. O país lidera as listas de megadiversidade em número de espécies de vertebrados, invertebrados e plantas”. Essa riqueza toda se concentra principalmente em nossas matas que, junto com as demais florestas tropicais do mundo, cobrem apenas 7% da superfície terrestre, mas abrigam mais da metade das espécies de flora e fauna, conforme cita um dos ‘papas’ da Biodiversidade, o norte-americano Edward O. Wilson.

A segunda condição para uso adequado da biodiversidade — o conhecimento das espécies — é uma preocupação antiga e felizmente hoje tem alguma ressonância entre os órgãos financiadores de pesquisas. Nos últimos anos, multiplicaram-se os esforços concentrados para a realização de inventários de fauna e flora, com apoio de organismos internacionais, órgãos governamentais, fundações de amparo à pesquisa e organizações não-governamentais. Mesmo assim, ainda há muito a conhecer e ainda é gigantesca a diferença entre espécies conhecidas e espécies estimadas, sendo estas definidas como o que supomos existir ainda sem identificação, em regiões pouco exploradas por pesquisadores ou em campos da Ciência com falta de especialistas para trabalhar nas descobertas.

O Brasil tem de 170 a 210 mil espécies conhecidas, mas estimase que abrigue de 1,4 a 2,4 milhões, conforme calculam Thomas Lewinsohn e Paulo Inácio Prado, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A taxa de descrição de novas espécies para as classes e famílias mais estudadas, como primatas e aves, é de 1 a 3 por ano. Já as menos estudadas — como insetos e aranhas, ou peixes de águas continentais — podem render até 350 ou 400 descobertas por ano!

Conforme os melhores especialistas de cada área de conhecimento, entre as espécies conhecidas temos: 56 mil espécies de plantas (excluindo fungos); 26 mil de borboletas e mariposas; 2,5 mil de formigas; 30 mil de besouros; 3 mil de abelhas; 2,1 de peixes de água doce; 765 espécies de anfíbios; 650 espécies de répteis; 1.731 de aves e 530 de mamíferos. As últimas estatísticas, aqui citadas, estão detalhadas na edição especial da revista Megadiversidade, publicada pela Conservação Internacional em 2005.

A terceira condição para uso adequado da biodiversidade — o investimento em pesquisas aplicadas — ainda é fonte de conflitos, posto que o maior investimento se concentra nos países desenvolvidos enquanto a maior biodiversidade está nos países tropicais em desenvolvimento.

Para amenizar tais conflitos de interesses, 187 países mais um bloco regional (União Européia) assinaram a Convenção de Diversidade Biológica, documento que contém regras e diretrizes para assegurar a conservação da biodiversidade, o seu uso sustentável e a justa repartição dos benefícios provenientes do uso econômico dos recursos genéticos, respeitada a soberania de cada nação sobre o patrimônio existente em seu território.

O acordo internacional entrou em vigor em 29 de dezembro de 1993 e o Brasil o ratificou (isto é, transformou em leis nacionais) em 1994. Nas reuniões periódicas de implementação dessa convenção — como a que se realiza neste mês de março, em Curitiba, no Paraná — o Brasil costuma alinhar suas posturas com outros países megadiversos, grupo do qual também fazem parte Colômbia, Equador, Peru, Madagascar, China, Índia, Indonésia, Austrália, Congo, México e Estados Unidos (que fica de fora das negociações por não ter ratificado a convenção). Juntos, os 12 países megadiversos detém de 60 a 70% da diversidade do planeta.

Para que a biodiversidade continue a existir — e seu uso se estenda do presente para um longo futuro — os principais investimentos em conservação são: criação de áreas protegidas e implementação/manutenção de áreas já criadas; redução do ritmo de destruição de hábitats e reconstituição da conexão entre fragmentos de vegetação ainda intacta; controle de introduções indevidas de espécies exóticas e erradicação de invasoras já instaladas; redução da caça, pesca e coleta e incentivo à criação/plantio para substituir a demanda por animais e plantas nativos; substituição do extrativismo predatório por manejo racional, entre outras medidas específicas para cada grupo de animais ou plantas sob pressão. São medidas trabalhosas, que exigem ampla participação da população. A mesma população que depende da biodiversidade para viver dia a dia. E tem atrelado seu próprio destino à manutenção da riqueza da vida no planeta.

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O descobrimento da biodiversidade
por Evaristo E. de Miranda

O povoamento da América do Sul, há pelo menos 20 mil anos, coincidiu com o desaparecimento de muitas espécies, principalmente de mamíferos. Durante milênios, os caçadores coletores usaram o fogo, a caça sistemática e a exploração diferenciada da vegetação. Eles transformaram florestas, cerrados e ambientes costeiros, alteraram a biodiversidade, favorecendo espécies de seu interesse e prejudicando outras. A hecatombe e a extinção maciça de espécies animais há 10 mil anos é de assustar.


Os primeiros estudiosos da biodiversidade brasileira foram esses caçadores coletores e os indígenas. Eles nomeavam as espécies, mas não registravam. Não sabiam escrever. Alguns desenhavam. Os segundos, nesse labor, foram os povoadores portugueses: padres jesuítas, religiosos e alguns leigos. A partir do século XVI, pela primeira vez, eles registraram tudo por escrito, sistematicamente. Seguindo regras. Reunindo fatos, observações e refletindo. Foram milhares de páginas, pouco divulgadas.

Eles fizeram do português uma arca de Noé, onde os nomes indígenas de plantas e animais foram salvos no dilúvio da aculturação. Através de regras fonéticas seguras e replicáveis, os nomes da biodiversidade saíram do Neolítico e foram acolhidos nos campos da escrita.

Além disso, eles formularam hipóteses para explicar a origem dessa biodiversidade. Afirmaram que ela surgiu por aqui mesmo, bem depois do dilúvio. Separaram o conceito de origem (Deus) do de criação (natureza). Jesuítas como José de Anchieta, Manoel da Nóbrega, Cristóvão Acuña e Fernão Cardim acreditavam que a vida podia surgir da matéria mineral e mais, que uma espécie podia se transformar em outra por heterogonia. Defendiam os direitos dos animais e a sacralidade da natureza. Desenvolveram uma biologia pré-lineana e pré-darwiniana, ousada e científica, ainda útil em tempos de obscurantismo criacionista.

Defender e estudar a biodiversidade, quanto esta era uma verdadeira bioadversidade, foi um dos méritos de toda uma série de personagens históricos do Brasil dos séculos XVI e XVII. Eles inauguraram uma das mais antigas tradições nacionais: a da defesa e compreensão do meio ambiente.

Artigo integral aqui: http://eptv.globo.com/emissoras/emissoras_interna.aspx?299434

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