domingo, 7 de novembro de 2010

Nuno Ferrand de Almeida: Nunca Olhamos para o outro País que existe

Choca-o o pessimismo das elites portugueses. Acredita que o país tem pessoas e conhecimento que lhe garantem um futuro. Diz que as crises são uma espécie de "ajustes que é preciso fazer". Como "as réplicas de um terramoto". Tem uma convicção: "Vamos dar a volta a isto."
É biólogo, director do Cibio, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, professor do Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da mesma universidade, onde lecciona Genética e Evolução. Move-se no circuito da ciência internacional. Tem 47 anos e olha para o país com um inesperado optimismo, que esta entrevista acaba por explicar. Há 25 anos não tínhamos nada. Hoje temos nichos de excelência que podem ombrear com o melhor do melhor. Um país que tem isto tem futuro.



Esta entrevista ocorreu, por acaso, no dia em que terminava em Nagoya, Japão, a cimeira da ONU sobre a Biodiversidade.



Como é que se mobilizam as pessoas para a importância da biodiversidade, quando o mundo, e sobretudo as sociedades ocidentais que normalmente financiam estas iniciativas, atravessa uma tremenda crise económica da qual não se sabe ainda bem como vai sair?



É difícil, mas penso que podemos transformar esta crise numa oportunidade. A crise resulta também do modelo de crescimento que temos tido ao longo destes últimos 50 anos, praticamente desde o pós-guerra. E, se quiser, tem raízes históricas que começam há 10 mil anos, quando o homem começa a domesticar os animais, que é o início daquilo a que chamamos hoje "civilização".



Este distanciamento do homem em relação à natureza acentua-se com a Revolução Industrial. A maior parte das pessoas começa a dirigir-se para as cidades, onde hoje vive mais de 50 por cento da população mundial. Há uma espécie de dissociação entre a nossa espécie e a nossa vivência e o mundo natural, que é o mundo que nos suporta. Basicamente, aquilo a que chamamos "recursos naturais e recursos biológicos" fazem parte de uma pequeníssima camada a que chamamos "biosfera" e que tem recursos finitos.



Explicar isso não é nada fácil...



Não é nada fácil, mas este é o momento ideal precisamente por ser um momento de crise. É preciso que as pessoas percebam - e percebem agora melhor - que alguma coisa vamos ter de mudar, porque a perda de recursos a que se está a assistir hoje, a perda dos serviços dos ecossistemas, não é compatível com a preservação do enorme nível de bem-estar que alcançámos.



Mas é difícil explicar às pessoas que o papel de uma borboleta, de um pássaro ou de um lince são fundamentais para o seu bem-estar e para a sua sobrevivência.



Isso é importante, porque cada espécie vale por si. Mas não devemos ir por aí. Devemos explicar que há uma diferença qualitativa na crise da biodiversidade em relação a tudo o resto - às alterações climáticas, à poluição, à destruição do ambiente. A perda da biodiversidade é irreversível. Não há retorno possível.



O que está a dizer é que este modelo de desenvolvimento actual é insustentável?



É. Muita investigação recente mostra uma progressiva dissociação entre aquilo que ganhamos, o nosso rendimento, e os nossos níveis de bem-estar e de fruição da vida. Atingiu-se uma espécie de patamar que põe em causa aquilo que estamos a fazer. Não temos de crescer por crescer. Há outras maneiras de avaliar o progresso.



Mas essa é hoje a lógica das nossas sociedades...



Que é incompatível com os recursos que temos, porque são finitos.



O que está a propor é uma verdadeira revolução dos nossos padrões e do nosso modo de vida. Hoje, melhorar a vida das pessoas é melhorar o seu acesso ao consumo e a bens fundamentais, como saúde e educação.



Absolutamente. A ideia de consumo vai ter de ir mudando. Há muitas outras formas de fruir a vida que podem estar muito mais ligadas à nossa satisfação intelectual e que não estão ligadas ao consumo material. Vai demorar gerações a mudar, mas acho que esta crise que estamos a viver é o primeiro grande sinal...



Que implica uma mudança de valores?



Implica uma mudanças de valores. Temos de começar a pensar a economia global em termos mais ligados à sustentabilidade. Temos de evoluir para uma economia mais baseada na avaliação dos recursos que temos à nossa disposição e, depois, para uma maior justiça da distribuição, que também é fundamental. É chocante a continuação, ou mesmo o aumento da desigualdade numa altura em que a nossa capacidade para criar bem-estar nunca foi tão grande. E seria com muito poucos recursos que nós faríamos a grande diferença nos países a que chamamos "em desenvolvimento". Com muito poucos recursos, poderíamos rapidamente aumentar o bem-estar dessas pessoas em termos de alimentação, de saúde, de esperança de vida...



Aí, saímos da ciência para o patamar da política. É preciso organizar o mundo de outra maneira.



É isso que tem falhado.



A cimeira da biodiversidade no Japão [na semana passada] pôs em evidência um padrão comum de comportamento que se pode resumir assim: os países em desenvolvimento, mesmo os que são mais avançados, como a China ou o Brasil, apontam o dedo às sociedades desenvolvidas, responsabilizando-as pelo modelo que levou à delapidação dos recursos. Mas não abdicam de copiar esse modelo. Como se sai daqui?



A única via é a educação. É evidente que a ambição de países em vias de desenvolvimento que estão em grande crescimento é copiar os países ricos. Quando se pensa na China ou na Índia ou no Brasil, é isso que se vê.



Mas a natureza não aguentará?



Não aguentará. Já estamos a consumir muito mais do que aquilo que o planeta nos pode dar. Todos os estudos nos mostram isso, que está hoje traduzido na metáfora da pegada ecológica. Se continuarmos assim, vamos precisar de muito mais em muito pouco tempo e isso pode levar-nos a uma situação insustentável.



Que pode ameaçar o próprio homem?



Que vai, pelo menos, desencadear conflitos tremendos pelos recursos.



Este para mim é o momento ideal, por causa da crise, para começarmos a discutir estas coisas. E sou optimista, na medida em que penso que se tem vindo a fazer cada vez mais para resolver estes problemas a nível global. Nunca tivemos na ciência níveis tão avançados, em particular na biologia, e a biologia vai ser a ciência do século XXI. Já é um lugar-comum dizer isto. Atingiu níveis de maturidade e de aplicação que atingem todas as esferas da vida, da saúde ao ambiente, até à compreensão do mundo que nos rodeia e à compreensão da nossa própria natureza. O que é que somos, porque é que somos assim. É uma diferença qualitativa em relação à química e à física, que marcaram o século XIX e o século XX. Estamos a falar dos gnomas, da possibilidade de mudar geneticamente as plantas e os animais e isso é uma revolução que nos poderá permitir, por exemplo, responder a muitas das necessidades dos países em desenvolvimento, tornando a sua agricultura mais sustentável e as espécies mais resistentes.



A diferença hoje é que a biologia nos permite uma reflexão sobre o mundo e sobre nós próprios que, se calhar, não tínhamos tido antes. E sobre a partilha da vida com muitos outros milhões de espécies, algumas que estão ainda por conhecer e que vão ser fundamentais para o nosso bem-estar no futuro. Este vai ser um século marcado pela biologia e marcado por uma nova perspectiva que ela nos permite ter em relação ao planeta e a nós próprios. Sem dúvida.



Mas falta a tal resposta política, o governo global que possa harmonizar tudo isso, para conseguir concertar interesses.



Falta. Mas penso que isso chegará cada vez mais aos grandes líderes mundiais por imposição das sociedades. Há um registo pessimista em relação à crise mundial - e, já agora, em relação à crise portuguesa - que não partilho. Se pensar que há 20 anos praticamente não havia investigação em Portugal e hoje estamos no nível em que estamos em menos de uma geração...



Em Portugal, temos a sensação que não sabemos o que nos pode acontecer no dia de amanhã. Há um discurso dominante profundamente derrotista...



Tremendo. Nas elites portuguesas instalou-se um pessimismo tremendo...



Como é que um cientista olha para tudo isto?



Sou optimista por natureza. Ainda sou relativamente novo, mas sei exactamente o que era Portugal há 25 anos, quando entrei para a Universidade do Porto, e o que se fez desde aí. Tinha 11 anos no 25 de Abril, mas sei como era Portugal antes disso. Estávamos fora do mundo.



Assistir em menos de 25 anos à transformação que se viveu em Portugal é um privilégio absolutamente extraordinário. Há 20 anos, eu nunca imaginaria que poderia ter um centro que faz investigação no mundo inteiro e que não fica nada atrás dos melhores centros do mundo e estou a falar de Berkeley, Cambridge ou Oxford. E ainda menos imaginaria - falo pela minha experiência, mas isso é visível em muitos outros centros de investigação em Portugal - que seríamos capazes de atrair tantos estrangeiros. Quase 50 por cento dos 1200 investigadores contratados nos últimos dois anos pelo Programa Ciência são estrangeiros e isto diz alguma coisa.



Nem nos apercebemos disso.



Mas isso é fundamental. O caminho tem de passar pela aposta na ciência e isso tem sido feito de uma forma notável. Nos últimos dez, 15 anos conseguimos chegar ao topo dos países que mais têm investido na ciência...



Mas partimos de uma posição muito recuada.



É verdade, não havia nada, ou havia pouco. Mas quando se fala hoje em 5 ou 6 mil artigos científicos publicados e reconhecidos internacionalmente [por ano], isso representa um avanço extraordinário. É quase um milagre. O número de doutorados... E disso as pessoas falam pouco e é preciso que falem muito mais. É preciso falar muito mais das pessoas que trazem conhecimento para cá e que produzem conhecimento cá.



É por isso que me choca muito o pessimismo constante das elites portuguesas. E isso tem reflexo sobre as pessoas. Esse pessimismo cola-se-nos à pele.



Como é que o explica? Mede-se tudo pelo défice?



Em parte é isso. Não sei. Mas não sei porque nunca se olha para o outro país que existe. Existem dois países. Todos os países têm dois países, mesmo que em Portugal essa diferença seja mais acentuada. Mas há 25 anos não tínhamos dois, tínhamos um, que era mau. Hoje temos um país que se distingue nas ciências, nas artes, na literatura, no desporto.



Mas há aquela sensação de que, quando estamos quase a conseguir o nosso objectivo de sermos "europeus", qualquer coisa nos impede. Historicamente, parece que nunca conseguimos percorrer a última milha. Acha que é isso que desmoraliza as pessoas?



Percebo isso. Mas a mim não me desanima. E digo-lhe já porquê: nunca achei que isso fosse possível numa geração. É preciso mais tempo. Estamos a falar de países como a Inglaterra, a França, a Alemanha, que têm uma tradição de mais de 100 anos de investigação e de produção de conhecimento, de reflexão, que nós não tínhamos. Vivíamos completamente marginalizados dessa Europa. Há 30 anos não havia um paper.



Penso que as nossas elites estão um bocadinho gastas na maneira como olham para o lado antigo do que foi Portugal, quando temos ao lado um país a desenvolver-se muitíssimo e a mostrar que é perfeitamente capaz de ombrear com os mais desenvolvidos. Claro que ainda temos o resto, que ainda pesa. E que alimenta essa espécie de frustração que se transmite nesse discurso e que é má, porque leva facilmente as pessoas a desanimarem, a acomodarem-se... Penso que é a nossa obrigação, e também da comunicação social, dar conta desse outro país. Não quero com isso desculpar algumas lideranças...



Justamente, temos hoje muito mais gente educada, universidades muito melhores, uma massa crítica que deveria ser mais exigente. Como é que se explica, então, a fragilidade das lideranças políticas?



Há aí uma contradição para a qual não tenho resposta. Há uma espécie de alheamento em relação ao serviço público e há uma espécie de dissociação progressiva em relação aos partidos e às pessoas que nos governam, que me assusta um pouco... Não sei responder a essa pergunta, só sei que ela faz parte das interrogações que muitos de nós colocamos.



Mas não há também uma responsabilidade das pessoas? Talvez que o país mereça uma coisa melhor e não se esteja a esforçar-se o suficiente para a ter?



Talvez. São contradições e desequilíbrios que julgo que resultam de transformações muito aceleradas do tecido social português. Este pode ser um momento em que isso seja muito visível.



Há já alguns anos perguntei a Manuel Castells onde estava a força maior da sociedade americana. A resposta foi curta: nas suas universidades. Artur Santos Silva dizia, numa entrevista que lhe fiz recentemente, que é nesse conhecimento acumulado nas nossas universidades que vamos de ter de ir buscar as condições do nosso futuro. Temos de transformar isso em valor económico. Como é que se faz isso?



Concordo absolutamente com essa visão, acho que é o único caminho. Muita gente, mesmo lá fora, tem dito isso mesmo. Mas aquilo que falta - a ligação entre o saber e a economia - é o que leva mais tempo. Outros países têm mecanismos muito mais eficazes para essa transferência, vão buscar às universidades o conhecimento para o transformar em valor acrescentado. Nós aí somos ainda muito mais frágeis.



Não pode ser o professor universitário a fazer isso, porque não o consegue. É mais uma dessas contradições ou desequilíbrios do nosso desenvolvimento. Mas as coisas começam a acontecer. Posso dar-lhe um exemplo da Universidade do Porto. Temos hoje três cátedras convidadas abertas - é a única universidade do país que as tem no domínio da biodiversidade -, que estão a atrair imenso interesse...



O que é uma cátedra convidada?



É um programa que o Ministério da Ciência e Tecnologia lançou e que tem como base o financiamento combinado da Fundação de Ciência e Tecnologia, a 25 por cento, e de uma empresa, a 75 por cento. Foi uma ideia excelente para promover a passagem de conhecimento que é desenvolvido nas universidades para as empresas. E estamos precisamente a lançá-las neste momento de crise. Já recebi telefonemas do estrangeiro, de Inglaterra, a perguntarem-me como é que um país que está à beira da falência está a lançar estas iniciativas na área da biodiversidade.



Vamos contratar três professores catedráticos, provavelmente fora - a ideia é trazer talentos de fora do país. As cátedras são suportadas pelo BES, pela Refer e pela EDP. A ideia é desenvolvermos precisamente aquilo em que ainda falhamos mais. O que temos de fazer é, em primeiro lugar, criar uma massa crítica, uma elite científica sólida e numerosa, como estamos a fazer, e depois, em consequência da geração de novas ideias, vão nascer novas empresas. Já estão a nascer. São cada vez mais.



Mesmo assim, o nosso tecido empresarial ainda não parece capaz de absorver os jovens que as universidades estão a educar. Essa é outra forma de impedir a utilização desse saber acumulado.



É mais uma dificuldade. Alguma coisa tem de ser feita. E esse problema também existe em outros países europeus. Veja o brain-drain da França para os Estados Unidos...



Em França é outra coisa, creio. Tem mais a ver com burocracia e menos com capacidade empresarial. Aqui, as empresas parece que não absorvem as pessoas mais qualificadas, que podiam, de facto, alterar a forma como fazem as coisas.



Isso é verdade. É mais difícil mudar uma empresa do que uma universidade. Isso, para mim, explica-se também pelas transformações aceleradas que vivemos e pelos desequilíbrios que elas geram. O que, para mim, é importante é ver que esses jovens portugueses são já competitivos. Veja o sucesso dos jovens investigadores portugueses no European Research Council no Verão passado. Muitos deles na área da biologia, num domínio altamente competitivo onde Portugal parte em desvantagem em relação aos outros concorrentes.



Hoje, o que está a sustentar as faculdades de ciências é a biologia. Colocam 200 alunos de Biologia por ano e, se for a ver, a Física quase não tem alunos. É impressionante. Há 20 anos, a Biologia era um curso para professores de liceu. Hoje já não há ninguém que vá para lá com esse fim. Vão porque a Biologia é a ciência do futuro, e eles sabem isso, tem a ver com muitos outros sectores de actividade...



E isso não se deve ao medo da matemática?



Não, não acho. As pessoas sabem a importância da biologia e também sabem que a biologia absorveu imenso da química, da física, da matemática e tem imensas áreas de intersecção, não só com estas disciplinas mais exactas, como com a medicina, com o ambiente e até com a economia... Esse é um campo em grande desenvolvimento...



Que também pode ter impacte no desenvolvimento industrial nas área dos medicamentos, das biotecnologias. Há aqui um potencial...



Sem qualquer dívida. E há outra coisa, que já foi muito referida mas que nós nunca verdadeiramente aproveitámos, que é a nossa situação geográfica e a língua.



Esse é agora o discurso em moda. Descobrimos que não podemos colocar as fichas todas na Europa e que temos de começar a olhar para o Atlântico. Isto também faz sentido do ponto de vista de um cientista?



Faz todo o sentido. O Brasil é o país mais rico em biodiversidade. Temos aí muito espaço, porque desenvolvemos núcleos de excelência com os quais eles querem cooperar. Tenho muitíssimos alunos do Brasil a trabalhar cá e podiam ser muitos mais.



Temos de ir por aí: aumentar o nosso relacionamento com o Brasil em todas as áreas, incluindo na ciência e tecnologia.



E o resto do mundo? Podemos tirar mais partido da economia global? Também na ciência?



Os Estados Unidos são cruciais. Mais tarde vamos beneficiar de todo o esforço de investimento, feito nos últimos anos, com as parcerias que foram desenvolvidas com várias instituições de referência americanas - MIT, Carnegie Mellon, Austin Texas, Harvard Medical School. Estamos a falar das melhores universidades do mundo. Obviamente que há o espaço europeu, onde já nos movemos muito bem. Há o potencial da relação com o Brasil e toda a comunidade de língua portuguesa até Timor. É simbólico estarmos hoje aqui no Instituto de Investigação Científica Tropical, que para mim devia ser o motor e é o motor dessa relação. E há outro aspecto que, para mim, é muito importante por razões que ultrapassam a biologia e que são os países do Magrebe.



Temos alguma presença nesses países?



Temos uma relação muito sólida com as universidades desses países. O Cibio tem uma série de protocolos e projectos de formação avançada com alguns. Se apostarmos nessa formação avançada, estamos a criar laços com pessoas que vão ser as futuras elites decisoras. Somos muito bem aceites, porque há dificuldades de relacionamento com os antigos países colonizadores. E isso tem uma importância política e estratégica fundamental para a Europa, sobretudo depois do 11 de Setembro.



Antes de começarmos esta entrevista, estava a explicar-me a importância do reitor da Universidade do Porto na sua afirmação internacional. As lideranças podem, portanto, fazer a diferença?



Houve uma série de circunstâncias que fizeram com que várias pessoas com um papel muito relevante na ciência mundial tivessem regressado, trazendo com elas a sua experiência. Estou a falar de nomes como a Maria de Sousa, o Alexandre Quintanilha, o Sobrinho Simões, etc..., que se juntaram na Universidade do Porto e que criaram centros de excelência a nível internacional. Isso atraiu muita gente de toda a parte, estudantes e investigadores de muito talento que foram à procura dessas pessoas e do exemplo e da visibilidade dessas pessoas. Tudo isso é anterior aos últimos quatro ou cinco anos. Mas, depois, há esse esforço, que tem sido conduzido pelo professor Marques dos Santos e que tem mobilizado, como nunca se conseguiu fazer antes, toda a universidade.



Está a dar dois exemplos de como as pessoas que não se sujeitam às circunstâncias fazem toda a diferença.



Fazem completamente. O que o reitor também conseguiu fazer foi outra coisa muito importante que foi passar a Universidade do Porto a fundação, e isso significa um salto muito significativo em relação ao passado...



Quando o ministro Mariano Gago criou as fundações, foi tão criticado que parecia que ia acabar o mundo...



(riso) Exactamente. Mas agora tenho a certeza que muita gente vai fazer o que fez a Universidade do Porto. Isso, para mim, é mérito absoluto dele. Esse tipo de lideranças são absolutamente essenciais e sentimos muito a falta delas. Marcam completamente a diferença.



O retrato que acaba de fazer da ciência em Portugal fez-me lembrar que temos um caso muito interessante: o mesmo ministro da Ciência e Tecnologia há 15 anos, com um pequenino hiato de dois anos pelo meio. Damos pouco por isso, mas, se calhar, foi muito importante.



É absolutamente fundamental. E o ministro já tinha tido um papel anterior, quando liderou a antiga JNICT [Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica]...



Ainda no tempo dos governos de Cavaco Silva...



Exacto. Tem, de facto, um talento e uma percepção das prioridades e de como fazer o desenvolvimento científico do país que é, para mim, inigualável. Pode discordar-se ou concordar-se com isto ou aquilo, não é isso que interessa. Eu sou muito a favor da rotatividade, mas, neste caso, não há dúvida que o professor Mariano Gago deixou para sempre uma marca de mudança que acho que já não volta para trás. Quero acreditar que já não volta para trás, mas penso que a nossa posição ainda é frágil e que é preciso continuar.




Nuno Ferrand de Almeida: Nunca se olha para o outro país que existe

Continuo a pensar que era bom que estas coisas ligadas ao desenvolvimento científico fossem objecto de um pacto de regime para ficarem independentes da conjuntura política. Era bom que fosse claro, e para mim ainda não é completamente claro, que estas políticas são para continuar.



Se lhe perguntar como vê o país daqui a dez anos, o que responde?



Vamos dar a volta a isto. É como as réplicas depois de um terramoto. [As crises] são ajustes que é preciso fazer, que podem ser difíceis, que resultaram de perspectivas provavelmente falhadas. Mas vejo isso como um processo que é normal num país com um desenvolvimento tão acelerado como aquele que vivemos nas últimas décadas. Estou optimista. Temos hoje pessoas e conhecimento como nunca tivemos, temos níveis de bem-estar como nunca tivemos. Temos a obrigação de transmitir para nos tornarmos num país com níveis de cultura e de educação muito maiores a todos os níveis. Temos de fazer com que as pessoas se apercebam desses recursos e que percebam que podem ser utilizados.

Fonte: Ecosfera, O Público

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