José é cego, mas concretizou o sonho de ter um programa de desporto
A história de um homem feliz que ganhou a batalha contra o preconceito
«Não podes fazer informação porque és cego». José Carlos Miranda Costa prova todos os dias que a professora estava errada. Aos 56 anos, para além do trabalho no Instituto de Conservação da Natureza, é «informador desportivo». Tem um programa todas as semanas na Rádio Granada de Vendas Novas e alimenta um site. Uma conversa entre dois pastéis de nata e um café. «O meu hobby é a informação desportiva. Foi um sonho que eu tive aos 14 anos, quando li numa revista espanhola sobre um brasileiro cego que fazia informação desportiva». José Carlos não vê, mas o rosto ilumina-se quando fala do seu sonho. «Os meus pais achavam que eu era doido. Quando era pequenino, andava com um balde de praia a cantar e a fingir que fazia programas de rádio. O meu pai dizia assim: não me digam que este gajo um dia vai ser locutor de rádio! Quando estou a preparar os meus programas lembro-me sempre do balde de praia. Tinha assim esse desejo dentro de mim».
Mas, não foi fácil alcançá-lo. José Carlos é «cego total. Nunca vi absolutamente nada. A minha mãe teve rubéola quando estava grávida». E, porque cego também é aquele que não quer ver, cresceu com o preconceito dos outros. Nunca se esquece de um episódio. Em 1970, «um dia perguntaram-me o que é que gostava de ser. E eu disse: 'gostava de ser informador desportivo'. A diretora, que estava lá com as visitas, chamou-me de lado, deu-me duas estaladas, e disse-me: 'oh menino, tu não podes fazer informação desportiva porque és cego'». José Carlos ficou «dececionado» na altura. Hoje tem pena que a professora não esteja viva para lhe mostrar o que faz.
«Foi o Fernando Correia que em 1981 me abriu as portas do sonho. Uma brincadeira». Num tempo em que ainda «não havia internets», ele «estava com dificuldade em saber o resultado [de um jogo de hóquei em patins] que interessava ao Sporting e eu estava a ouvir a Rádio Voz das Astúrias». José Carlos ligou para a Rádio Comercial a dar o resultado e mais tarde foi convidado para colaborar com a estação. «Fazia muito a escuta desportiva, recolhia resultados». Esteve lá até 1997. «Quando a Comercial acabou com o desporto fui para a RádImprensa».
E fez até comentários para outras rádios. Barcelos-FC Porto em hóquei em patins. «Comentei o jogo como o estava a ver, à minha maneira. Pelo som, pelo som dos patins, pelo som do stick, pelo barulho do público». No final, valeu-lhe por parte de um colega a confissão: «Cumprimentou-me e disse-me 'tinhas razão'. Para a próxima vez que eu vier à Terra quero ser cego».
Mesmo de férias, o repórter sempre atento. Às 12:45 saca da pasta o transístor para ouvir os destaques da «Bola Branca».
E foi também «uma casualidade» que lhe permitiu ser correspondente do «Mundo Deportivo» de Barcelona. Já lá vão mais de 20 anos. «Gostava sempre muito de ouvir as rádios estrangeiras. Eles estavam com dificuldades em saber os resultados do nosso país. A partir daí ficámos amigos». A esta experiência juntam-se outras, como a colaboração com rádios espanholas que lhe valeram o reconhecimento em 89. Uma placa que guarda com orgulho.
O desporto agradece-lhe e ele agradece ao desporto. «Eu tenho uma dívida de gratidão muito grande a pagar com o desporto. Foi há 19 anos, quando sofri um grave acidente [atropelamento]. Partiram-me as duas pernas numa passagem de peões e foi o desporto que me ajudou a dar a volta por cima».
José Carlos deu a volta e é «feliz». Casado com Albertina, é pai da «Ana Paula, que tem 30 anos e que trabalha no melhor bolo de chocolate do mundo, e do Pedro Miguel com 23». Mais uma vez, a «estupidez» ensombrou-lhe a vida: «Quando os meus filhos eram pequenos, eu levava os meus filhos pela mão, e então havia pessoas aqui no bairro que me chamavam criminoso por um cego a levar uma criança pela mão».
Na despedida, deixa-nos uma mensagem em braille como recordação. Ele não precisa. «Sou capaz de fixar o dia que estivemos juntos. Uso a minha memória como arma defensiva».
Fonte: Carmen Fialho/TVI
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