terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Discussão - Debate sobre o futuro da carreira de Vigilante da Natureza

Caros Colegas, nesta fase de Debate sobre que modelo de carreira queremos para os Vigilantes da Natureza julgo que será pertinente recordarmos um texto já com quatro anos, apresentado no Encontro Nacional de Ponte de Lima, que poderá conter algumas questões que permitam alargar a reflexão conjunta.

Considero que falar de 30 anos dos vigilantes da natureza é falar de uma profissão fantasma, talvez cada vez mais uma miragem, e entender essa fantasmagoria de duas maneiras, por dificuldades de implantação no território real da conservação da natureza e pela natureza difusa, cambaleante, errónea do modelo de carreira com que nos pretendem vestir. As dificuldades de implantação provêem do desinvestimento público em matéria de àreas Classificadas, de resistências culturais das populações, de resistências organizativas das instituições nacionais, regionais e locais, quer da A.Central quer da A Local; por outro lado, de um modo geral, as carreiras de fiscalização estatal apresentam uma degradação geral, no nosso país, devido a uma crise das políticas públicas e a uma crise de autoridade e a de VN não terá sido excepção, sendo uma das primeiras em que tais factores de decadência se fizeram e se fazem sentir: a tarefa de proteger os valores naturais dos avanços prejudiciais do desenvolvimento é gigantesca e o percurso de consolidação da nossa carreira não se tem adequado aos problemas, nem na estrutura, nem nas competências, menos ainda nos recursos disponíveis mas sobretudo na ausência de delimitação do papel funcional e na sua articulação com os objectivos e responsabilidades do ICN/AP’s e das CCDR’s visando a concretização das políticas ambientais.

A inspiração do modelo anglosaxónico num país em que vigora ainda um modelo de intervenção estatal autoritário, centralizador e de administração pública enclausurada em si mesma não conseguiu enraizar-se na sociedade portuguesa e daí decorrem os principais constrangimentos profissionais que todos nós vivemos há quase duas décadas, e que infelizmente não aparentam ter solução nem remedeio.

No entanto, podem elencar-se etapas dessa profissionalização que desde já considero incompleta; etapas legislativas e reinvidicativas, etapas de mobilização nacional, etapas de decadência funcional. Podemos até delimitar três grandes fases da nossa existência social enquanto profissionais: uma fase juvenil, uma segunda de acomodação, a terceira de crise institucional.

Comecei por afirmar que esta é uma profissão fantasma já que, embora prevista desde 30 de Setembro de 1975, apenas em 1987 se verificou o recrutamento inicial e a formação de ingresso nas então carreiras distintas de guarda e vigilante da natureza, e que apenas em 1990 tomou posse oficial; profissão fantasma também quanto aos efectivos no terreno 154 no caso do ICN, mais cerca de 80 nas CCDR.; fantasma ainda se considerarmos a densidade populacional da carreira, segundo o Relatório do Estado do Ambiente, 2003, cada VN do ICN apresenta um rácio com a superfície de AP,s de 1/3500Ha, mas como é bom de ver se considerarmos a totalidade dos 22% de território nacional classificado, nomeadamente o abrangido pela RN2000 este rácio forçosamente sobe até valores próximos dos 10000Ha!!! Recordo uma frase muito antiga sobre guardas da natureza e marcianos e apetece-me dizer que será mais fácil haver vida em Plutão do que encontrarmos no dia a dia um VN num qualquer destes hectares supostamente valiosos para a afirmação nacional do património natural e necessitados de protecção e garantia para o futuro…

Todos nós recordamos as dificuldades na obtenção do primeiro diploma da carreira, em 1990, 15 de Outubro, na véspera do Encontro do Gerês e com certeza nos recordamos da extrema dificuldade registada na publicação do decreto-lei 470/99 de 6 de Novembro que ainda hoje vigora, apesar da crónica ausência de regulamentação dos seus aspectos fundamentais; recordamos também o processo atabalhoado de integração dos guarda-rios na carreira de VN, em 1995…. Façamos ainda as contas e note-se que estamos agora a perfazer sete anos de espera na concretização dos aspectos básicos da nossa profissão!

Essa ausência tão prolongada na regulamentação do uniforme e na sua regular atribuição, na atribuição de um simples cartão de identificação, na definição do currículo formativo, na definição da atribuição, actualização e revalorização do subsidio de risco e da grelha salarial, a atribuição de viaturas e equipamentos indispensáveis, a inserção dos VN na gestão das AP;s e zonas de intervenção e ao acesso à informação e à legislação, as perdas de direitos quanto à aposentação, a não aplicação de normas previstas e negociadas, em suma, a indefinição quanto ao papel institucional e organizacional da nossa carreira e o esvaziamento do conteúdo funcional, com a consequente perda de imagem pública e a progressiva substituição por outras forças de fiscalização mais repressivas, tudo isto são factores que permitem afirmar o abandono, o esquecimento a perda propositada de eficácia, a não profissionalização dos VN. O modelo de carreira de tão difuso tornou os VN invisíveis e a médio prazo, se nada se alterar, substituíveis!

A nossa entrega em prol da conservação dos recursos durante a fase juvenil da carreira, a nossa perseverança na luta durante a fase de associação e sindicalização, foram substituidas por atitudes desmotivadoras e desmobilizadoras, que penalizam o nosso futuro mas sobretudo colocam em causa a existência do ICN, cujos problemas estruturais parecem querer fazer de nós cordeiros do sacrificio como à semelhança se passa com os colegas das CCDR’s nas respectivas regiões em permanente reestruturação e em perca geral de meios de trabalho e intervenção. A perspectiva de que o Estado apenas deve assegurar as intervenções em caso de catástrofes naturais e outras parece conduzir agora à militarização dos incêndios, das florestas, dos recursos hídricos e sem que se saiba como nem porquê sobretudo à militarização da natureza enquanto único instrumento de protecção . Julgo que esta estratégia de usar meios de Guerra na promoção do Ambiente, da Biodiversidade e do Desenvolvimento Sustentável fazem do nosso país, a nível europeu e mundial um utilizador de Bomba Atómica e não um construtor de sociedades equilibradas. A incerteza quanto ao futuro e o desalento que crescentemente nos afecta, os rumores de extinção do ICN, que regularmente circulam apesar dos discursos políticos comemorativos de sinal contrário não favorecem atitudes positivas nem resistências perante a manutenção das condições adversas referidas.

Os VN são lembrados nas operações “Larus” ou “Prestige”, nas campanhas de monitorização do lince e da cegonha, e nas épocas oficiais de prevenção a fogos florestais e de períodos de seca extrema ou de inundações e rupturas de barragens nos períodos de inverno rigoroso, mas são objecto de esquecimento e de clandestinidade forçada, como sucede no caso de algumas AP’s em que os VN são impedidos de cumprir com a sua missão por vontade dos dirigentes, que preferem castigar e obstruir o nosso trabalho a manter a defesa dos valores naturais que detém a responsabilidade de gerir.

Os VN são esquecidos até em coisas simples como seja a Agenda Anual do ICN em que esta função não merece referência ao longo dos anos, nem sequer na menção dos contactos da APGVN, que ao contrário de outras ONG’s não tem direito a menção. O dia do VN - 2 de Fevereiro, para além de não ter destaque na dita agenda, apesar das catorze edições que já leva e apesar de solicitado a três presidentes e quatro secretários de estado, ao contrário de outras categorias profissionais não conta até hoje com a consagração legal e publicação oficial que a nossa carreira dignamente mereceria. A coincidência do nosso Dia Nacional com o Dia das Zonas Húmidas, criado posteriormente, apresenta este ano a coincidência de figurar no site do ICN enquanto semana de comemorações que, vejam só vai de 30 de Janeiro a 3 de Fevereiro; enquanto isso este nosso Encontro Nacional e Jornadas Técnicas, iniciativa única de uma categoria profissional, que deve ser raro encontrar noutras categorias e institutos públicos não merece referência no mesmo site.Tanto esquecimento, tanto silêncio, tantos incómodos, tantos engulhos que a nossa iniciativa e capacidade reinvidicativa e o nosso brio profissional colectivo parecem despertar….!

Cabe então aqui colocar duas questões centrais, falando das questões por resolver, importa discutir se somos de facto profissão ou se ainda não e das condições estruturais para se concretizar essa profissionalização essencial para o Ambiente e refletir sobre o futuro, o nosso futuro comum com o ICN, e da necessidade de uma refundação necessária da carreira de vigilante da natureza, terminando com uma tónica, apesar de tudo de esperança com sugestões sobre o que nos cabe fazer e sobre o que está ao nosso alcance, individualmente e em conjunto como verdadeiro Corpo Nacional de Vigilantes da Natureza.

A primeira questão é a de sabermos se já somos uma profissão ou se tão somente uma categoria funcional da administração pública? E o que nos falta para essa profissionalização? No meu entender, enquanto não extravasarmos o âmbito da A.Central, e não existirem profissionais nas autarquias, nas ONG’S e no sector privado e enquanto as universidades não se interessarem por produzir conteúdos académicos específicos para manejo da natureza não seremos profissão real, apesar do nosso desempenho diário indicar o contrário. Quanto ao que nos falta, são necessárias três condições básicas para a existência social de uma profissão: autonomia face a outras profissões e ocupações, deontologia própria com autoregulação e credenciação de competências e campo de conhecimentos específicos.

No que respeita a autonomia, permanece a confusão com outros profissionais mesmo dentro dos organismos a que pertencemos e também com outros corpos funcionais e até com actividades de iniciativa individual; também não temos autonomia hierárquica e institucional face aos serviços locais e ao organismo central que nos enquadra, sendo conflitual por vezes a relação de subordinação e a missão legal que devemos desempenhar. Quanto à deontologia, apesar da existência de uma associação socio-profisssional, de organizações regionais e de filiações sindicais ou em organizações internacionais não temos ainda um código deontológico e um organismo de classe que promova um espirito de desempenho ético de elevada competência. Por último, no que se refere à credenciação de conhecimentos, a actual exigência de habilitações para o desempenho de funções, a ausência de formação e reciclagem, a má gestão de recursos humanos, a ausência de avaliação de desempenho e o bloqueio na criação de cursos secundários e superiores capazes de habilitar correctamente os futuros recrutados para VN conjuntamente com a deficiente valorização da nossa experiência diária enquanto factor de formação impedem a real profissionalização da nossa função social.

Perante este quadro o que fazer? Sem dúvida que resolver a falta de formação e a desadequação das habilitações iniciais; promover a imagem da carreira; resolver os bloqueios do decreto-lei 470/99; devolver a capacidade de intervenção e a autoridade aos VN, mas sobretudo definir um MODELO DE CARREIRA.

Permitam que retome uma ideia que já apresento pelo menos há 10 anos sendo considerado utópico e fundamentalista. Tenho para mim que a nossa função perante a natureza dos problemas e a importância estratégica e civilizacional da conservação da natureza e do ambiente é cada vez mais técnica e cientificamente exigente, que reque a integração de conhecimentos e tecnologias e o desenvolvimento de tarefas mais pertinentes do que a passagem de autos de notícia. Defendo por isso que a nossa carreira é técnica e não policial nem de serventia básica.

Proponho a refundação da carreira de VN em Técnico de protecção da natureza e ambiente, com dois níveis de acesso, um técnico profissional inicialmente com o 12º ano, outro nível com habilitação superior (bacharelato, licenciatura); gradualmente estes níveis fundir-se-ão e por serem compostos por elementos de áreas científicas distintas, as equipas de terreno seriam dotadas de um elevado nível de conhecimentos que permitiriam agir e prevenir problemas em lugar de reagir e remediar caso a caso, perdendo tempo com as crónicas carências de recursos técnicos e de disponibilidade para analisar processos, que vem sendo um obstáculo crónico dos organismos que nos enquadram. Este modelo permitiria aos organismos fortalecerem a sua acção gestora e fiscalizadora, resolverem problemas de recrutamento técnico, concretizarem as propaladas reformas e requalificações de recursos humanos na administração e reavalorizarem os profissionais em causa, reconhecendo o mérito, o esforço, as competências formais e a experiência, permitindo-lhes desenvolverem quadros de motivação pessoal e profissional que produzam os resultados que são necessários às nossas àreas de intervenção.

Esta é seguramente uma meta dificil que poderá demorar, no actual quadro de crise, alguns anos a negociar, mas é sobretudo um desafio para a reestruturação que nos prometem para os nossos organismos. É um desafio para o Ministério do Ambiente e para os actuais VN mas é um caminho que valerá a pena iniciar e construir para benefício da nossa acção em prol da concretização das estratégias e políticas de ambiente e para a real profissionalização das funções nobres de protecção da natureza. É com esta sugestão que termino desafiando cada um de nós a aceitar fazer parte dos que não desistem de acreditar que é pelo sonho é que vamos….
João Martins

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