Imagine-se um lugar sem pessoas, sem pesticidas, sem indústria, sem trânsito, onde os animais vivem em total liberdade e reclamam aquilo que um dia chegou a ser deles. Esse lugar existe: é numa zona que abrange a Ucrânia e a Bielorrússia, mas só é assim porque, em 1986, ocorreu lá o maior desastre nuclear de sempre. A radiação de Chernobyl, que impediu os humanos de voltarem à região, não afectou o espírito curioso dos animais, que invadiram as cidades e as casas onde as pessoas viviam. Há até 14 espécies em vias de extinção que estão a usar esta região livre de pessoas para renascerem.
No dia 26 de Abril de 1986, o quarto reactor da central nuclear de Chernobyl, no norte da Ucrânia, explodiu, o que resultou na libertação de material radioactivo e a subsequente evacuação da região. Mais de 135 mil pessoas tiveram de abandonar as suas casas. O que não fez caso foi a fauna (e também a flora) que, sem humanos, também não tinha quem a impedisse de vaguear à vontade pela zona. Foi assim que surgiu o boom de biodiversidade na região.
Animais como o lince, bufos- -reais, garças-brancas, cisnes, ursos e lobos introduziram-se na zona deserta próxima de Chernobyl. Sem quem os cace, os lobos formaram matilhas. A cadeia alimentar fortaleceu-se, pois tudo voltou ao ritmo normal da natureza. Voltou a ver-se javalis na zona, e até os cisnes voltaram para nidificar. Vendo tal biodiversidade, o homem resolveu dar uma ajuda e introduziu lá animais. O caso de maior sucesso é o do cavalo de Przewalski, o equídeo mais próximo do cavalo original, que transportou as tropas de Átila, o Huno, e que estava em perigo de extinção. Aliás, foram 14 as espécies em perigo que conseguiram reaparecer na região "nuclear". Na Bielorrússia, a zona foi já considerada, oficialmente, reserva natural.
Apesar disso, há quem considere que as radiações estão a prejudicar a fauna e a flora - estudos indicam que são precisos 900 anos para eliminar qualquer rasto de partículas nucleares de Chernobyl. Os vários estudos são inconclusivos, mas... os animais não se importam.
Fecho da central marcou também o fim de uma era
Foi antes da Revolução Laranja, que semeou tendas nas praças geladas de Kiev e levou centenas de milhares de pessoas para as ruas a exigir o fim de um clima político herdeiro do bloco soviético. E foi antes da explosão de emigração que trouxe milhares de ucranianos para a Portugal, tornando aqui familiar o nome do país e o som da sua língua. Em Dezembro de 2000, quando o reactor n.º 3 da central de Chernobyl, o único que ainda estava a funcionar no complexo acidentado, foi encerrado, a Ucrânia era sobretudo isso: o país de Chernobyl.
Em Gubin, pequena aldeia perdida junto à fronteira com a Bielorrússia, e literalmente encostada à vedação que ainda hoje interdita a área mais contaminada, o choque com a realidade: uma abertura feita pelos bombeiros para combater um incêndio que deflagrara uns anos antes na zona proibida, nunca mais tinha sido fechado. A centena de habitantes da aldeia, quase todos idosos, vivia em parte de colher morangos e cogumelos do lado de lá, na zona de exclusão, e de os vender na capital.
Para as pessoas de Gubin, o fecho da central (contribuía apenas com três por cento para a produção de energia no país) era algo sem grande significado. Um sentimento nos antípodas da pompa e circunstância que o então presidente Leonid Kuchma, do Partido Comunista, imprimiu ao acontecimento. O fecho da central foi transmitido em directo para o Palácio da Ucrânia, em Kiev, numa cerimónia entre o severo e o triunfal, presidida por Kuchma. Mas lá fora, centenas de manifestantes aproveitaram a presença dos jornalistas estrangeiros para protestar contra a falta de liberdade de imprensa, no que era já o ensaio para a Revolução Laranja e o prenúncio do fim de uma era.
Fonte: Diário de Notícias
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