Há um antes e um depois da maré negra para os Estados Unidos. A catástrofe tem potencial para mudar a política energética do país e afastá-la do petróleo. A outra face da moeda é o preço a pagar pela vida selvagem do golfo do México.
Há já oito anos que tínhamos esquecido as aves cobertas de petróleo que, nos anos 70, deram fôlego ao arranque do movimento ambientalista internacional. A maré negra do golfo do México - com entre 35 mil e 60 mil barris de crude libertados diariamente - veio reavivar essas imagens-ícones e confirmar que a comunidade internacional ainda não as conseguiu enterrar de vez. Nem mesmo depois dos derrames causados pelo Exxon Valdez (1989), Erika (1999) e Prestige (2002). Analistas internacionais acreditam que esta catástrofe tem potencial para afastar a política energética americana do petróleo. Mas, até agora, a poluição ainda só mostrou uma face da moeda: o preço que a vida selvagem tem de pagar. E na pior altura possível.
De Março a Agosto, milhares de aves escolhem as praias, dunas e ilhas-barreira do golfo do México para nidificar ou descansar da viagem migratória.
O pelicano-castanho (Pelecanus occidentalis), símbolo do estado da Luisiana, está em plena época de nidificação e, por isso, mais vulnerável. Nos anos 60, os pesticidas levaram a ave à beira da extinção. Mas um programa de reintrodução recuperou as populações e, a 11 de Novembro de 2009, a espécie foi retirada da lista de animais ameaçados dos EUA. "Agora, quase de certeza que terá de voltar a ser incluída", alertou ao P2 John Hocevar, director da Campanha Oceanos da Greenpeace americana.
As aves "petroleadas" não conseguem regular a temperatura do organismo, para se defenderem das elevadas temperaturas no golfo. Além disso, a poluição contamina os peixes dos quais os pelicanos se alimentam e penetra na casca dos ovos, matando os embriões. Para piorar as coisas, "as ilhas que funcionam como colónias vitais têm sido muito afectadas pela maré negra. Quando a vegetação começar a morrer, ficarão expostas à erosão", disse.
Maré negra na desova
Mas as aves não são as únicas vítimas. Aaron Rice, director científico do Programa de Investigação Bioacústica do Cornell Lab of Ornithology, lembrou ao P2 que "o golfo do México alberga uma grande variedade de grupos de animais ameaçados ou em perigo, desde os invertebrados, tubarões e peixes às tartarugas e mamíferos marinhos".
Thomas Shirley trabalha no Instituto de Investigação Harte (Universidade do Texas), que se dedica a estudar o golfo do México. Entre as espécies que mais o preocupam está a tartaruga-de-kemp (Lepidochelys kempii), uma das cinco espécies de tartarugas ameaçadas na região. "Esta espécie é muito vulnerável, dado que a maior parte do seu território está no golfo do México", explicou ao P2. Por estes dias, os ovos que foram enterrados nas praias começarão a eclodir. O Serviço de Pescas e Vida Selvagem dos EUA prepara-se para coordenar um plano direccionado a várias espécies para transferir para locais seguros o máximo de ovos possível. "Assim, teremos mais garantias do que se não fizermos nada e deixarmos estas tartarugas emergirem e partir em direcção ao golfo e ao crude... Isso poderia ser o fim para muitas, se não para todas. Existe o risco de perdermos toda uma geração", contou recentemente Chuck Underwood, daquele serviço oficial, ao jornal Huffington Post.
Esta também é uma época crucial para o atum-rabilho (Thunnus thynnus), ameaçado a nível internacional devido à sobrepesca. "A maré negra atingiu o início da época de desova deste e de outros peixes no golfo", lembrou John Hocevar. Segundo o responsável da Greenpeace, "é muito provável que a maioria dos atuns que nascerem este ano não consiga sobreviver, acrescentando outra ameaça grave a uma população já à beira da extinção". Apesar de os animais adultos se arriscarem a ingerir alimento contaminado, o problema maior é para os ovos e larvas, mais vulneráveis, lembrou Thomas Shirley.
As águas do golfo do México escondem o que está a acontecer ao manatim (Trichechus manatus), mamífero marinho que vive ao longo da costa da Florida. "As populações já estão ameaçadas de extinção, por causa da destruição do habitat, poluição, colisão com embarcações e caça ilegal", contou ao P2 Caryn Self-Sullivan, especialista nesta espécie na UICN (União Internacional de Conservação da Natureza) e investigadora da Universidade da Geórgia do Sul. Agora, a poluição impossibilitará os animais de usar os pêlos finos que os cobrem como receptores tácteis para detectar predadores. A cientista explicou ainda que "os manatins se alimentam de vegetação aquática, o que significa que vão ingerir, acidentalmente, o crude que se acumulou no leito marinho" e que acaba por entrar na cadeia alimentar.
Na verdade, nas profundezas do mar os impactos são complicados de prever. Segundo Thomas Shirley, a maioria dos animais afectados pelo crude afunda-se, como pode acontecer aos cachalotes (Physeter catodon). No Norte do golfo existe uma população de 1600 indivíduos que mergulham até 400 metros de profundidade para encontrar alimento. Podem ficar expostos ao crude neste processo e não sobreviver.
Futuro sem resposta
Thomas Shirley não consegue prever quais as consequências a longo prazo ou quanto tempo vai demorar até que o golfo volte ao normal. "A recuperação continua na baía de Prince William, no Alasca, em resposta ao derrame do Exxon Valdez, há 21 anos", lembrou.
Para o biólogo, não há políticas de conservação que minimizem o derrame, só formas de evitar que novas tragédias se repitam. "Precisamos de ser mais cuidadosos nas práticas de perfuração e de nos tornar menos dependentes do petróleo como fonte de energia."
A administração norte-americana tem pedido contas à BP. A Greenpeace não minimiza o esforço da Casa Branca, mas é muito pouco. "Não existe uma resposta adequada para um desastre desta magnitude. Na melhor das hipóteses, somente entre 15 e 20 por cento do petróleo libertado poderá ser recuperado", estima John Hocevar. O ambientalista defende que é preciso fazer mais para manter as barreiras flutuantes, uma vez que estão a chegar demasiados produtos químicos às colónias de aves e às zonas húmidas.
Paul Montagna e Larry McKinney, do Instituto de Investigação Harte para os Estudos do Golfo do México, referem que o perigo a longo prazo pode vir do crude que ficou preso no leito do mar a grande profundidade, onde o frio impede as bactérias de degradar os compostos. "Podemos esperar pedaços de alcatrão a emanar destas áreas durante décadas." O derrame afectou o início da época da desova do atum-rabilho, já ameaçado a nível internacional devido à sobrepesca. "É muito provável que a maioria dos atuns que nascerem este ano não consiga sobreviver", explicou o director da Campanha Oceanos da Greenpeace americana
Fonte: Publico.pt
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