Investigadores do Porto têm projecto de recuperação e construção de charcos que servem de 'habitat' e de local de reprodução a 14 das 17 espécies de anfíbios que há no País. Algumas são consideradas vulneráveis.
Os charcos secaram há duas semanas, mas Vasco Flores Cruz sabe como procurar rãs e tritões naquele chão húmido e escuro, sombreado pelos pinheiros. Com cuidado, para não escorregar, baixa-se e levanta uma das telhas por ali abandonadas. Nada. Mas o jovem investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio), da Universidade do Porto, não desiste.
"Andam por aqui juvenis, ainda há pouco os vi", diz ele confiante. Afasta outra telha, e bingo! Lá está ele, um pequeníssimo vulto escuro, que parece ficar a boiar na palma da mão. "É um sapo-parteiro", anuncia o investigador, olhando-o com atenção. "Fez a transformação [de girino para a forma adulta] há muito pouco tempo".
O animal fica muito quieto, à espera. "Esta espécie é muito interessante porque o macho carrega os ovos às costas, é uma estratégia para aumentar ar o sucesso da reprodução", explica Vasco Flores, que no último ano tem corrido toda a zona da Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde, a identificar e a avaliar charcos e a fazer o levantamento das espécies de anfíbios que há em cada um deles.
A reserva foi criada há meia dúzia de meses, numa parceria entre várias entidades, entre as quais o município e a Universidade de Porto, e o trabalho de Vasco Cruz está ligado a um projecto daquela universidade para a conservação dos anfíbios na região, que tem também o apoio do Oceanário, entre outros.
"A ideia é criar uma rede de microrreservas, [cada charco é uma microrreserva], nesta zona que agora tem estatuto de área protegida, para conservar as populações de anfíbios que aqui existem", explica o biólogo José Teixeira, que coordena o projecto no Cibio.
O Mindelo, concelho de Vila do Conde, não foi escolhido à toa. Tem uma história ligada à conservação - ali foi estabelecida em 1957 a primeira área protegida do País, a Reserva Ornitológica do Mindelo, que ficou esquecida quando se criaram em Portugal parques e reservas a partir dos anos 70. Sem enquadramento, crescimento urbano e problemas ambientais marcaram a região nos últimos anos.
Mas o ponto essencial é este: pelas suas características, o Mindelo é território de 14 das 17 espécies de anfíbios que existem em Portugal, embora duas delas (a rã-ibérica e a salamadra-de-costelas-salientes) não se avistem ali já há tempos. Recuperá-las é outro dos objectivos.
Região de confluência de climas - é limite norte de influências mediterrânicas e bebe das brisas atlânticas - e de paisagens, com floresta e dunas, e um solo atreito à formação de charcos, o Mindelo reúne condições únicas que fazem dele o sítio com maior número de espécies de anfíbios do País e um dos mais importantes para a sua conservação.
Com os estudos no terreno feitos, a equipa definiu já os quatro ou cinco charcos, em diferentes pontos da reserva, sobre os quais vai trabalhar no próximo ano. Alguns estão em terrenos privados - decorrem por isso conversações com os proprietários para se poder avançar. "Vamos melhorar uns e construir outros de raiz", explica Vasco Cruz.
Um dos que caem nesta segunda categoria tem uma história feliz, que conjuga a filosofia do projecto, que chama à colaboração toda a comunidade local, e a coincidência da localização de um pólo do Centro Juvenil de Campanhã (CJC), que acolhe jovens em risco.
"Têm um terreno na reserva bom para construção de um charco,. Fizemos a proposta, que foi muito bem acolhida. Os jovens têm participado com entusiasmo", conta Vasco Cruz.
Depois de terem salvado já este ano as larvas de várias espécies que foi possível resgatar de um charco da reserva destruído com entulhos pelo seu proprietário, os jovens do CJC observaram os animais a crescer, viram-nos transformar-se e refugiar-se no bosque. Agora vão construir o seu charco. O trabalho começa hoje, com a limpeza do local. As escavações são na próxima semana e haverá muitas mãos a ajudar.
Fonte: Diário de Notícias
domingo, 15 de agosto de 2010
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