XVI Encontro Nacional de Vigilantes da Natureza - 4 a 6 de Março de 2011
ÁREAS PROTEGIDAS: POR QUEM?
Nuno Gomes Oliveira
Reserva Natural Local do Estuário do Douro
estuariododouro@parquebiologico.pt
A criação de áreas protegidas, coutadas ou tapadas, para efeitos de produção (floresta e caça) teve início na Idade Média. Mas a criação de áreas protegidas tendo como objectivo a conservação da natureza remonta, em Portugal, a 1957, quando é criada a Reserva Ornitológica de Mindelo.
Catorze anos mais tarde, em Maio de 1971, é criado à pressa o Parque Nacional da Peneda-Gerês, para Portugal não ficar mal visto na Conferência de Estocolmo de 1972, conferência que seria o primeiro fórum mundial sobre ambiente, promovido pela ONU. Em Agosto desse ano é instituída a Reserva Botânica do Cambarinho, que visava a proteção do Rododendro e em Outubro do mesmo ano a Reserva Botânica da Mata dos Medos, na Costa da Caparica; “medos”, diga-se, que nada tinha a ver com receios, mas sim com “medos” e “médões” ou seja, dunas.
Virado um ciclo da História, com Abril de 1974, surge uma série de novas áreas protegidas, algumas que não passaram do Diário da República, como os Parques Naturais da Ria de Aveiro e o do Centro (Decretos nº 20 e 21/75), que se devem ao Arq. Ribeiro Teles, ou a Reserva Natural da Barrinha de Esmoriz (Portaria nº 896/84).
Outras áreas protegidas, mais afortunadas, lá foram vendo alguma concretização no terreno, pelo menos escapando o seu território a outros usos mas, sempre, sem desempenharem cabal e completamente a sua missão de conservação dos habitats, espécies e paisagens, não por falta de vontade e empenho dos seus quadros, mas sim por falta de meios e de vontade dos decisores de desenvolverem uma verdadeira política nacional de conservação da natureza.
Sorriram-se-nos os olhos nos curtos consulados do Engº Carlos Pimenta como Secretário de Estado do Ambiente, de Junho de 1983 a Junho do ano seguinte e, novamente, de Novembro de 1985 a Julho de 1987.
Mas foi Sol de pouca dura; do final dos anos 80, do século passado, para cá, a política nacional de conservação da natureza entrou num processo de declínio e descrédito, simbolizado na Reserva Natural da Serra da Malcata, criada em 1981 expressamente para proteger o Lince-ibérico, então ali existente, e que, duas décadas depois, de lá desapareceria mas, repito, não por incúria dos homens do terreno, mas por incúria dos decisores.
Nos anos 70 e 80 a conservação da natureza ainda era uma área de actuação com algum prestigio; na produção do quadro legislativo que lhe haveria de servir de suporte surge, em 1975, a criação dos Vigilantes da Natureza, anunciado como um Corpo Especializado na Preservação do Ambiente e Conservação da Natureza, como corolário lógico e necessário da criação de áreas protegidas.
De facto não pode haver Áreas Protegidas, nem conservação da natureza, sem a presença regular, no terreno, de guardas e Vigilantes da Natureza; eles são, em todo o Mundo, a alma dos parques e reservas.
Há 200 anos, em 1815, José Bonifácio de Andrada e Silva, o primeiro ecologista português e pai da moderna silvicultura, ao apresentar o seu projeto de consolidação das areias entre a Barrinha de Esmoriz e S. Pedro de Moel, escrevia, a propósito dos guardas que haveriam de ser responsáveis por essa ação: “julgo muito conveniente que devam residir no centro dos seus bosques, ou pelo menos dentro do distrito.”
No que toca às áreas florestais, assim foi, de facto, durante dois séculos, com a presença e residência dos Guardas-Florestais nos seus cantões, até que subitamente, sem explicações, sem lógica e sem alternativa, o Decreto-Lei nº 254/2009 acabou com eles, não os substituindo por nada. Seria uma vingança da II República sobre um “produto” da Monarquia?
Por coincidência, ou não, nas últimas épocas de caça aumentou significativamente o número de aves feridas a tiro, mesmo de espécies protegidas por Lei, que deram entrada no Centro de Recuperação do Parque Biológico de Gaia.
Não queremos tirar conclusões apressadas, mas o fenómeno pode ter alguma relação com a extinção da Polícia Florestal. De facto, os caçadores menos conscientes podem, agora, actuar com grande impunidade e estão a fazê-lo!
Não está em causa o facto da fiscalização ter passado a ser competência do SEPNA (Serviço de Protecção da Natureza da GNR), mas sim o modelo aprovado; não se previnem incêndios nem se combatem caçadores furtivos com esporádicas surtidas de moto ou jeep, por mais dedicação que se tenha.
É necessário conhecer profundamente o terreno, ter lá vivido longos anos, estar lá 24 horas, conhecer barrancos, montes e pessoas. O erro de acabar com as casas de guarda florestal disseminadas pelo território ficará no história das asneiras deste país, que se diz florestal.
Como parolos deslumbrados por falsas ideias de gestão moderna, temos a tendência atávica de copiar dos outros países apenas as asneiras; nunca copiamos a parte boa. Ficaremos para a história, como o único país da Europa, talvez do Mundo, sem guarda florestais e de caça.
É verdade que o novo Código Florestal fala em “guardas de recursos florestais”, no seu artº. 18º, que viria a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 9/2009 de 9 de Janeiro; só que estes guardas apenas podem prestar serviço em entidades privadas gestoras ou concessionárias de zonas de caça ou de pesca; onde não se caça, ou o que é público, não merecem ter guardas.
A nossa vizinha Espanha, embora tenha criado, por força do artigo 12 da Lei Orgânica 2/1986 de 13 de Março (Lei das Forças e Corpos de Segurança), o SEPRONA (Serviço de Protecção da Natureza, da Guarda Civil), não deixou de ter guardas específicos de caça e guardas florestais.
A Lei espanhola 1/1970, de 4 de abril, (Lei da caça), determina, no seu artº 40º: “As autoridades e os seus agentes, e em particular... a Guarda do Serviço de Pesca Continental, Caça e Parques Nacionais, a Guarda Florestal do Estado, a Guarda do Património Florestal do Estado, os Guardas dos Reservas e Refúgios Nacionais de Caça.... farão observar o que se prevê nesta Lei, denunciando todas as infracções que cheguem ao seu conhecimento.”
A França, nos termos do “Código Rural” (Lei nº 2002-92 de 22/01/2002), mantém os “Gardes Champêtre” e “Gardes Chasse”, nos seguintes termos (Art.º L221-8): “Todos os Guardas da Caça dependentes da Administração Nacional da Caça ou das federações de caçadores estão sujeitos a um estatuto nacional.”
O “Código Florestal” francês prevê, ainda, os guardas florestais (agente técnico florestal), com missão de polícia florestal, integrados no Office National des forêts, os quais exercem “a sua missão sobre uma circunscrição territorial com cerca de 1.000 hectares, designada “triage” [cantão]”.
Os ingleses tem os “Wildlife Rangers” dependentes da “Comissão Florestal” (Lei Florestal de 1967) e os “Gamekeepers” integrados na “Organização Nacional dos Guardas de Caça” (Lei Rural e da Caça de 1981).
Talvez por esta diferença, mesmo ao lado do Parque Biológico, em terrenos onde a caça não é permitida, ouvem-se frequentemente tiros de alguém que vai abatendo, paulatina e impunemente, tudo o que voa ou mexe, nomeadamente Garças-reais, Açores e Pombos-torcazes, Esquilos e Coelhos que por ali andam devido à protecção assegurada pelo Parque Biológico.
Não podemos confundir as atribuições da GNR (Sepna) e da PSP (BriPa), com as funções específicas e especializadas dos Guardas-Florestais e dos Vigilantes da Natureza que, para além da missão de vigilância tem, essencialmente, tarefas de manutenção das matas, os primeiros, e das áreas protegidas e da biodiversidade, os segundos.
O trabalho da GNR, da PSP e da Polícia Marítima é necessário e meritório, tem tido resultados muitos interessantes, mas não vamos esperar que sejam as Polícias a plantar matas, fazer o seguimento de pegadas de animais, colaborar em projetos de investigação científica, guiar visitas ou desenvolver ações de Educação Ambiental; não é, nem deve ser, a sua missão.Segundo recentes notícias, o ICNB tem 121 Vigilantes da Natureza, para guardarem e conservarem as 34 Áreas Protegidas, as 39 ZPEs (Zonas de Proteção Especial) e os 60 SICs (Sítios de Importância Comunitária) num total (segundo referências na internet, não confirmadas) de mais de 2 milhões de hectares ou seja, mais de 16.500 ha em média por Vigilante, quase a área do Parque Natural da Ria Formosa!
Sei, dos tempos em que estive ligado à Mata Nacional de S. Jacinto, depois (1979) Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, o que era vigiar perto de 700 ha e 4 km de frente para uma estrada, particularmente num Domingo de Verão com, apenas, um Guarda-florestal.
Na vizinha Espanha havia, em 2005, segundo o Ministério do Ambiente espanhol, 986 ha de área protegida por vigilante, no Parque Nacional de Doñana (55 vigilantes), cerca de 2.500 ha por vigilante, nos Picos da Europa e 4.800 ha por vigilante na Serra Nevada, mas devemos atender ao facto de estes parques nacionais, pelas suas características orográficas e grandes dimensões, terem grande parte do seu território naturalmente inacessível.
Atendendo à pequena dimensão e fácil acessibilidade da maioria das Áreas Protegidas portuguesas, a média da área a conservar por Vigilante da Natureza não deveria nunca ultrapassar os 3000 ha, o que quer dizer que devíamos ter cerca de 670 destes profissionais que, mesmo assim, não teriam mãos a medir.
Isto, em média, pois para as áreas mais pequenas deveria ser muito menor o rácio território/vigilante.
Mas não chegará, só, aumentar o número de Vigilantes da Natureza para termos melhores resultados: importa dotá-los de efectiva autoridade e meios de trabalho adequados que, claramente, hoje não tem.
Outro problema que se levanta, e ainda bem, com a promulgação do novo Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho) é a necessidade de vigilância nas novas Áreas Protegidas Locais e Regionais que obriga a uma urgente atualização do Decreto-Lei n.º 470/99 de 6 de Novembro, permitindo às Áreas Protegidas Locais contratarem Vigilantes da Natureza, por conta do seu orçamento, mas sob o poder tutelar do ICNB.
Foi um passo importantíssimo criar esta nova figura jurídica de Área Protegida Local o que, no caso de Vila Nova de Gaia, permitiu concretizar o anseio de mais de duas décadas de proteger o Estuário do Douro, a primeira Reserva Natural Local criada em Portugal.
Por isso felicitamos o Ministério do Ambiente, e em particular o ICNB, como felicitamos a CCDRN e o QREN que nos alocaram os meios financeiros necessários para instalar a Reserva Natural Local; mas, agora, quem a vigia e protege efetivamente?
A Polícia Marítima e a BriPa da PSP do Porto tem sido incansáveis, é verdade, mas tem muito mais missões a desempenhar num vasto território e não podem estar todo o tempo no Estuário do Douro, um espaço com enorme potencial para a avifauna, mas que se encontra sujeito a inúmeras e constantes pressões que só a presença de vigilantes a tempo inteiro permite controlar.
A conservação da natureza e a proteção das áreas protegidas não se faz – era bom que assim fosse – com regulamentos e campanhas de sensibilização, da mesma maneira que não se faz cumprir o Código da Estrada sem as polícias.
Por mais sensibilização que se faça, há sempre energúmenos que nada respeitam e que só se combatem pela força musculada da autoridade.
Criar Áreas Protegidas e não as dotar dos necessários vigilantes é “fogo-de-vista” é deitar dinheiro fora!
Mas perguntar-me-ão como, em tempos de crises e de “PECs”, se arranja o financiamento necessário à cobertura destes custos?
É simples: um Vigilante da Natureza em início de carreira ganha pouco, cerca de € 650; contratando para a função alguém em situação de desemprego, teremos que descontar ao valor que o Estado já gastava com o subsídio de desemprego, pelo que o aumento de custos é de, apenas, € 175 por mês, por Vigilante.
Assim, se fossem contratados os cerca de 548 Vigilantes da Natureza que, nas nossas subjetivas contas, estão em falta, teria o País um aumento de custos anuais com salários de 1.400 mil Euros (menos de metade do vencimento do administrador da TAP) facilmente recuperáveis pelos menores danos causados ao património, pela diminuição de fogos florestais, pelo combate ao desemprego, pelo produto das coimas e por um desempenho de maior qualidade na conservação da natureza e da biodiversidade.
Seria um contributo inestimável para a dinamização e animação das Áreas Protegidas, com um consequente aumento de visitação e, logo um contributo enorme para o desenvolvimento local.
Feitas as contas, Portugal ficava largamente a ganhar!