“Ascensão e queda das áreas
protegidas em Portugal”, por José Trincão Marques
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Jun
19, 2018
Áreas Protegidas são áreas terrestres e aquáticas interiores e
áreas marinhas em que a biodiversidade ou outras ocorrências naturais
apresentam, pela sua raridade, valor científico, ecológico, social ou cénico,
uma relevância especial que exige medidas específicas de conservação e gestão,
em ordem a promover a gestão racional dos recursos naturais e a valorização do
património natural e cultural, regulamentando as intervenções artificiais
suscetíveis de as degradar.
Em Portugal a primeira Área
Protegida, o Parque Nacional da Peneda do Gerês, foi criada em 1971, quase cem
anos após a criação do primeiro Parque Nacional do mundo, nos Estados Unidos da
América (o Yellowstone National Park, criado em 1872) e mais de meio século
após a criação dos primeiros Parques Nacionais em Espanha (Ordesa e Covadonga,
em 1916).
O atraso de Portugal na política de conservação da
natureza em termos internacionais é bem evidente, até cronologicamente.
Deve-se ao Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles a mais
importante afirmação dos valores da conservação da natureza em Portugal e a
implementação de medidas estruturantes logo a seguir ao 25 de Abril de 1974.
Pela primeira vez foi criada no nosso País uma
Subsecretaria de Estado do Ambiente, liderada por Ribeiro Telles, pouco depois
transformada em Secretaria de Estado.
Deve-se a Gonçalo Ribeiro Telles a criação de dois
inovadores instrumentos políticos fundamentais na gestão e preservação dos
valores paisagísticos, ambientais e de ordenamento do território: a Reserva
Agrícola Nacional (em 1982) e a Reserva Ecológica Nacional (em 1983).
Foi também criado logo em 1975 o Serviço Nacional de
Parques, Reservas e Património Paisagístico, hoje transformado em Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas, através do qual foram sendo demarcadas
ao longo do tempo as várias Áreas Protegidas portuguesas.
Hoje existem em Portugal 44 Áreas Protegidas (Parques
e Reservas Naturais, Áreas de Paisagem Protegida e Monumentos Naturais) que
cobrem cerca de 8% do território nacional.
A conservação da natureza sempre foi um parente pobre
das políticas nacionais em geral e da política de ambiente em particular.
Tem sido notória a secundarização sistemática dos
valores da conservação da natureza sob todos os outros. Tem sido evidente a
falta de investimento na educação nesta área. Tem sido clara a demissão do
Estado das suas funções de soberania nesta matéria.
Uma das machadadas mais mortíferas dadas nas Áreas
Protegidas portuguesas foi a sua reorganização (ou desorganização)
administrativa realizada em 2008, que acabou com a figura do Diretor de cada
Área Protegida e criando grandes agrupamentos de Áreas Protegidas
geograficamente muito distantes entre si. Esta solução, que ainda hoje
persiste, veio afastar a gestão de cada uma das Áreas Protegidas dos respetivos
territórios, distanciando-a das autarquias locais e das populações residentes.
A linha errática e de regressão das políticas da
conservação da natureza em Portugal tem tido várias demonstrações evidentes,
como a aprovação do Decreto-Lei nº135/2012, de 29 de Junho, que criou o
Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e que concretizou a
aberrante e paralisante fusão/liquidação do Instituto de Conservação da
Natureza e Biodiversidade com a Autoridade Florestal Nacional.
Concomitantemente, verifica-se a diminuição constante
e sucessiva dos orçamentos anuais das Áreas Protegidas, o que acentua o seu
processo de desmantelamento, definhamento, enfraquecimento e declínio
progressivo.
Como tem afirmado Luísa Schmidt “a história recente
da conservação da natureza em Portugal é um exemplo da iniquidade e da
capacidade lesiva do Estado, com alcance para muitas gerações”.
Na política de conservação da natureza falta em
Portugal mais liderança, mais objetivos, mais fiscalização, mais competência
técnica, mais informação e mais educação ambiental. E, já agora, mais vontade
política e mais meios humanos e materiais (os vigilantes da natureza diminuíram
desde o ano de 2000 até hoje de 280 profissionais, para menos de metade).
É inconcebível a existência de serviços sem chefias
presentes no terreno, sem veículos automóveis, sem dinheiro para combustível,
sem recursos para fiscalização, sem possibilidades de divulgação dos seus
valores, sem estratégias claras e sem eficácia. Em suma, sem a dignidade que um
serviço desta relevância nacional merece.
Porque os valores ambientais são um fator constitutivo
da identidade do território de qualquer país.
O abandono do nosso território e da nossa paisagem
natural é um sinal de ignorância, de irresponsabilidade, de falta de respeito
para com as gerações futuras e de amor ao nosso país.
Os graves incêndios florestais ocorridos precisamente
há um ano atrás, e que atingiram muitas Áreas Protegidas, revelaram este
abandono recalcado do nosso território e um país egoísta, desequilibrado,
enfermo e moribundo.
Os clarões das chamas que ardiam ao longe nas centenas
de incêndios florestais, faziam lembrar as lamparinas que se vêem arder nos
quartos dos doentes graves, nas noites derradeiras.