Trinta agentes atuam
no Parque Estadual da Pedra Branca, no Rio, e aguardam lei que pode torná-los
funcionários públicos
por Maíra Rubim
RIO — Eles protegem, fiscalizam e monitoram a
biodiversidade e o patrimônio histórico, arqueológico, paleontológico e
espeleológico; fazem ações de educação ambiental; combatem e previnem incêndios;
executam operações de busca e salvamento; dão suporte às atividades de pesquisa
científica e a policiais; orientam visitantes; conservam trilhas; resgatam
animais.
Responsáveis por uma série de funções fundamentais
para a manutenção das 33 unidades de conservação do Rio de Janeiro, os
guarda-parques se mostraram tão importantes que um projeto de lei do deputado
estadual Carlos Minc quer ampliar o quadro e torná-los funcionários públicos
efetivos — os 220 agentes em ação hoje no estado prestaram concurso para
trabalhar por tempo determinado.
— Vi na profissão a chance perfeita de fazer o que eu
gosto, que é estar em contato com a natureza e ajudar na preservação ambiental.
Somos guardas completos, e me sinto útil porque nós ajudamos na integração do
parque com a sociedade — afirma Thiago de Faria, que trabalha no Parque
Estadual da Pedra Branca.
RIO É ESTADO PIONEIRO NA ATUAÇÃO DOS
GUARDA-PARQUES
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Em 2012, o Rio se tornou o primeiro estado do país a ter guarda-parques
atuando em unidades de conservação, com os objetivos de reforçar a preservação
ambiental e fazer aumentar o número de visitantes dos parques estaduais até
2014.
Para cumprir a função, todos os aprovados em um
concurso público realizado para preencher vagas temporárias passaram por um
curso de formação de dois meses, em regime integral, com aulas práticas e
teóricas de diversas disciplinas, como Prevenção e Combate a Incêndios
Florestais e Busca e Salvamento de Pessoas Perdidas ou Acidentadas nos Parques.
Cerca de 30 guarda-parques foram direcionados para os
12.440 hectares do Parque da Pedra Branca, a maior floresta urbana do mundo,
cuja área se estende por 17 bairros.
A rotina de trabalho do grupo vai das 8h às 18h,
podendo ser alterada, dependendo da demanda do parque. Todos os guardas estão
aptos a exercer as diversas funções necessárias.
Além de terem atividades diárias estabelecidas, como
orientação de grupos de visitantes, eles atendem a chamados de diversas
naturezas; para resgatar animais ou combater o fogo, por exemplo.
Após dois anos de trabalho, os profissionais,
orgulhosos, dizem que o trabalho tem mostrado resultado, principalmente em
relação ao resgate de animais.
— Os moradores do entorno já estão cientes de nossa
existência, e entram em contato quando aparecem serpentes, ouriços,
tamanduás-mirins ou qualquer outro animal no quintal deles. Fazemos o resgate e
mostramos que muitas vezes o bicho não é perigoso. Existe uma cultura de matar
cobras e serpentes, mas, em vários casos, elas não são peçonhentas, e pertencem
a espécies raras ou ameaçadas. Essa matança está diminuindo com o nosso
trabalho — diz o guarda André Luiz Ferreira.
Os guarda-parques frisam a importância de manter um
relacionamento próximo com as cinco mil pessoas que vivem em comunidades dentro
da unidade de conservação e em seu entorno, para compensar a extensão
geográfica, que dificulta o trabalho.
— Acreditamos no trabalho de cogestão participativa, e
tentamos formar aliados que estão onde não conseguimos estar — diz o guarda
Vinícius Delaia.
TRAFICANTES, MILICIANOS E CAÇADORES
— Além de depredação e de vandalismos como pichações,
às vezes agricultores desmatam áreas para plantar caqui e banana. Ter uma
unidade de conservação no meio de um centro urbano faz com que não faltem
conflitos e o parque tenha várias particularidades. Ao mesmo tempo em que há
uma legislação totalmente restritiva, que não permite que se arranque uma
folha, do outro está uma agricultura forte, desenvolvida pela comunidade que
mora aqui. Tentamos conciliar isso da melhor forma possível — conta Thiago de
Faria.
O trabalho feito pelos servidores é visto como uma ameça para muitos. Tanto
guardas como outros funcionários da Pedra Branca já sofreram intimidações e
tiveram seu trabalho interrompido.
— Tem milícia de um lado e tráfico do outro. Já vieram
aqui na sede do parque e nos ameaçaram dentro da nossa sala. Mandaram um
funcionário que não está mais aqui parar com o trabalho que estava fazendo —
lamenta Felipe Tubarão.
A especulação imobiliária também interfere nas funções
dos guarda-parques. André Luiz Ferreira lembra de uma ocasião em que uma
viatura chegou a uma comunidade em Realengo para combater um incêndio e foi
recebida a tiros.
— O problema não é apenas a construção ilegal. Muitos
empreendedores veem esse verde como empecilho. Na vertente de Vargem Grande,
principalmente, há uma grande quantidade de empreendimentos de luxo sendo
construídos na área do Parque da Pedra Branca. Fiscalizamos e aí vêm a multa, a
autuação e o embargo. Mas, até vir a ordem de desapropriação, o infrator já
entrou com recursos e se passaram anos — observa Vinícius Delaia.
Os guardas não têm porte de arma, e qualquer situação
de perigo deve ser relatada à polícia. A situação faz com que se sintam
inseguros ao cruzar com caçadores armados nas áreas do parque.
— Aqui há moradores que praticam a caça tradicional e
que conhecem o ciclo da natureza; são os que menos preocupam. Mas há também
aqueles que fazem safári para vender animais como paca, cutia, tatu e gambá
para restaurantes. É perigoso. Temos que fingir que não estamos vendo, e sempre
destruímos as armadilhas montadas por eles. Mas tenho medo de estar no mato com
um grupo de estudantes e encontrá-los. Muitos respeitam nosso trabalho, mas é
um risco constante — diz André Luiz Ferreira.
O parque da Pedra Branca é uma das florestas mais
preservadas do Rio, e ainda tem áreas intocadas de Mata Atlântica. O local,
onde até hoje ocorre a captação de água para o bairro de Jacarepaguá, abriga
três tipos de floresta (montana, submontana e de baixada) e várias espécies
raras de animais e plantas, o que ajuda a amenizar o clima da região e a conter
encostas, além de tornar os bairros pelos quais se estende mais bonitos.
Apesar de todos os problemas, os guarda-parques da
Pedra Branca se mostram apaixonados por seu trabalho.
— Vamos começar a cadastrar os agricultores e estamos
fazendo o manejo de trilhas para que o parque integre o projeto Transcarioca,
que vai cruzar toda a cidade — conta Tubarão. — Este parque tem uma enorme biodiversidade.
Há plantas que só existem aqui, como uma bromélia vermelha que fica nas
vertentes do Camorim. São mais de 300 espécies de aves, como o
gavião-pombo-pequeno, que, segundo ornitólogos, é um indicador de qualidade
florestal. Até a ariramba-de-cauda- ruiva, que tinha sido considerada extinta,
voltou a aparecer. E existem plantas centenárias, como as figueiras plantadas
por quilombolas. O Parque da Pedra Branca é um museu ao ar livre, e nós o
protegemos.
DECISÃO JUDICIAL PODE LEVAR À SUBSTITUIÇÃO
DOS AGENTES
Os 220 guarda-parques em ação prestaram concurso em
2012 e conquistaram um contrato temporário de três anos, prorrogáveis por mais
dois. Hoje, estão no cerne de um imbróglio. Um projeto de lei do deputado
estadual Carlos Minc tramita desde setembro do ano passado na Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) para que sejam criadas 400
vagas definitivas de guarda-parques no Plano de Cargos e Salários do Instituto
Estadual do Ambiente (Inea).
O PL, que já recebeu parecer favorável por duas importantes comissões —
Justiça e Orçamento — define e estabelece formalmente a função de
guarda-parques, cria um novo concurso e determina que os agentes que já atuam
sejam incorporados à função.
— Eles fizeram um curso de especialização que custou
R$ 1,2 milhão para o estado. Se não forem incorporados ao quadro de servidores
efetivos, esse será um grande desinvestimento e um risco para as unidades de
conservação — afirma Minc. — Com os guarda-parques, o Rio, que era o estado que
mais desmatava, agora é o maior preservador. Essa função tem que ser criada
formalmente.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
determinou, a pedido do Ministério Público Estadual (MPe), que os contratos
temporários destes servidores sejam abreviados e eles, desligados ainda este
ano.
Segundo o MPe, a lei estadual 4.599/2005, que deu
origem aos cargos, é inconstitucional, pois não expõe com clareza os motivos
que justificariam uma contratação em caráter excepcional como essa.
O Inea, porém, diz que já obteve da Procuradoria-Geral
do Estado (PGE) o parecer jurídico favorável à prorrogação dos contratos dos
guarda-parques, e está tomando medidas para assegurar a devida dotação
orçamentária.
Os guarda-parques, por sua vez, já fizeram protesto em
frente ao Palácio Guanabara e, agora, aguardam o desfecho da situação.
— Fizemos todas as etapas que seriam de um concurso
efetivo, com prova de aptidão física e treinamento. A prova prática foi igual à
do Corpo de Bombeiros. Todos nós temos aptidão para a área ambiental, a maioria
tem ensino superior e alguns estão fazendo até mestrado e doutorado. É um
trabalho de luta pelas unidades de conservação que não queremos interromper —
diz Thiago de Faria.