domingo, 21 de junho de 2015

Guarda Parques aguardam lei que pode torná-los funcionários públicos

Trinta agentes atuam no Parque Estadual da Pedra Branca, no Rio, e aguardam lei que pode torná-los funcionários públicos
por Maíra Rubim

RIO — Eles protegem, fiscalizam e monitoram a biodiversidade e o patrimônio histórico, arqueológico, paleontológico e espeleológico; fazem ações de educação ambiental; combatem e previnem incêndios; executam operações de busca e salvamento; dão suporte às atividades de pesquisa científica e a policiais; orientam visitantes; conservam trilhas; resgatam animais.
Responsáveis por uma série de funções fundamentais para a manutenção das 33 unidades de conservação do Rio de Janeiro, os guarda-parques se mostraram tão importantes que um projeto de lei do deputado estadual Carlos Minc quer ampliar o quadro e torná-los funcionários públicos efetivos — os 220 agentes em ação hoje no estado prestaram concurso para trabalhar por tempo determinado.
— Vi na profissão a chance perfeita de fazer o que eu gosto, que é estar em contato com a natureza e ajudar na preservação ambiental. Somos guardas completos, e me sinto útil porque nós ajudamos na integração do parque com a sociedade — afirma Thiago de Faria, que trabalha no Parque Estadual da Pedra Branca.

RIO É ESTADO PIONEIRO NA ATUAÇÃO DOS GUARDA-PARQUES
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Em 2012, o Rio se tornou o primeiro estado do país a ter guarda-parques atuando em unidades de conservação, com os objetivos de reforçar a preservação ambiental e fazer aumentar o número de visitantes dos parques estaduais até 2014.
Para cumprir a função, todos os aprovados em um concurso público realizado para preencher vagas temporárias passaram por um curso de formação de dois meses, em regime integral, com aulas práticas e teóricas de diversas disciplinas, como Prevenção e Combate a Incêndios Florestais e Busca e Salvamento de Pessoas Perdidas ou Acidentadas nos Parques.
Cerca de 30 guarda-parques foram direcionados para os 12.440 hectares do Parque da Pedra Branca, a maior floresta urbana do mundo, cuja área se estende por 17 bairros.
A rotina de trabalho do grupo vai das 8h às 18h, podendo ser alterada, dependendo da demanda do parque. Todos os guardas estão aptos a exercer as diversas funções necessárias.
Além de terem atividades diárias estabelecidas, como orientação de grupos de visitantes, eles atendem a chamados de diversas naturezas; para resgatar animais ou combater o fogo, por exemplo.
Após dois anos de trabalho, os profissionais, orgulhosos, dizem que o trabalho tem mostrado resultado, principalmente em relação ao resgate de animais.
— Os moradores do entorno já estão cientes de nossa existência, e entram em contato quando aparecem serpentes, ouriços, tamanduás-mirins ou qualquer outro animal no quintal deles. Fazemos o resgate e mostramos que muitas vezes o bicho não é perigoso. Existe uma cultura de matar cobras e serpentes, mas, em vários casos, elas não são peçonhentas, e pertencem a espécies raras ou ameaçadas. Essa matança está diminuindo com o nosso trabalho — diz o guarda André Luiz Ferreira.
Os guarda-parques frisam a importância de manter um relacionamento próximo com as cinco mil pessoas que vivem em comunidades dentro da unidade de conservação e em seu entorno, para compensar a extensão geográfica, que dificulta o trabalho.
— Acreditamos no trabalho de cogestão participativa, e tentamos formar aliados que estão onde não conseguimos estar — diz o guarda Vinícius Delaia.

TRAFICANTES, MILICIANOS E CAÇADORES
— Além de depredação e de vandalismos como pichações, às vezes agricultores desmatam áreas para plantar caqui e banana. Ter uma unidade de conservação no meio de um centro urbano faz com que não faltem conflitos e o parque tenha várias particularidades. Ao mesmo tempo em que há uma legislação totalmente restritiva, que não permite que se arranque uma folha, do outro está uma agricultura forte, desenvolvida pela comunidade que mora aqui. Tentamos conciliar isso da melhor forma possível — conta Thiago de Faria.
O trabalho feito pelos servidores é visto como uma ameça para muitos. Tanto guardas como outros funcionários da Pedra Branca já sofreram intimidações e tiveram seu trabalho interrompido.
— Tem milícia de um lado e tráfico do outro. Já vieram aqui na sede do parque e nos ameaçaram dentro da nossa sala. Mandaram um funcionário que não está mais aqui parar com o trabalho que estava fazendo — lamenta Felipe Tubarão.
A especulação imobiliária também interfere nas funções dos guarda-parques. André Luiz Ferreira lembra de uma ocasião em que uma viatura chegou a uma comunidade em Realengo para combater um incêndio e foi recebida a tiros.
— O problema não é apenas a construção ilegal. Muitos empreendedores veem esse verde como empecilho. Na vertente de Vargem Grande, principalmente, há uma grande quantidade de empreendimentos de luxo sendo construídos na área do Parque da Pedra Branca. Fiscalizamos e aí vêm a multa, a autuação e o embargo. Mas, até vir a ordem de desapropriação, o infrator já entrou com recursos e se passaram anos — observa Vinícius Delaia.
Os guardas não têm porte de arma, e qualquer situação de perigo deve ser relatada à polícia. A situação faz com que se sintam inseguros ao cruzar com caçadores armados nas áreas do parque.
— Aqui há moradores que praticam a caça tradicional e que conhecem o ciclo da natureza; são os que menos preocupam. Mas há também aqueles que fazem safári para vender animais como paca, cutia, tatu e gambá para restaurantes. É perigoso. Temos que fingir que não estamos vendo, e sempre destruímos as armadilhas montadas por eles. Mas tenho medo de estar no mato com um grupo de estudantes e encontrá-los. Muitos respeitam nosso trabalho, mas é um risco constante — diz André Luiz Ferreira.
O parque da Pedra Branca é uma das florestas mais preservadas do Rio, e ainda tem áreas intocadas de Mata Atlântica. O local, onde até hoje ocorre a captação de água para o bairro de Jacarepaguá, abriga três tipos de floresta (montana, submontana e de baixada) e várias espécies raras de animais e plantas, o que ajuda a amenizar o clima da região e a conter encostas, além de tornar os bairros pelos quais se estende mais bonitos.
Apesar de todos os problemas, os guarda-parques da Pedra Branca se mostram apaixonados por seu trabalho.
— Vamos começar a cadastrar os agricultores e estamos fazendo o manejo de trilhas para que o parque integre o projeto Transcarioca, que vai cruzar toda a cidade — conta Tubarão. — Este parque tem uma enorme biodiversidade. Há plantas que só existem aqui, como uma bromélia vermelha que fica nas vertentes do Camorim. São mais de 300 espécies de aves, como o gavião-pombo-pequeno, que, segundo ornitólogos, é um indicador de qualidade florestal. Até a ariramba-de-cauda- ruiva, que tinha sido considerada extinta, voltou a aparecer. E existem plantas centenárias, como as figueiras plantadas por quilombolas. O Parque da Pedra Branca é um museu ao ar livre, e nós o protegemos.

DECISÃO JUDICIAL PODE LEVAR À SUBSTITUIÇÃO DOS AGENTES
Os 220 guarda-parques em ação prestaram concurso em 2012 e conquistaram um contrato temporário de três anos, prorrogáveis por mais dois. Hoje, estão no cerne de um imbróglio. Um projeto de lei do deputado estadual Carlos Minc tramita desde setembro do ano passado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) para que sejam criadas 400 vagas definitivas de guarda-parques no Plano de Cargos e Salários do Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
O PL, que já recebeu parecer favorável por duas importantes comissões — Justiça e Orçamento — define e estabelece formalmente a função de guarda-parques, cria um novo concurso e determina que os agentes que já atuam sejam incorporados à função.
— Eles fizeram um curso de especialização que custou R$ 1,2 milhão para o estado. Se não forem incorporados ao quadro de servidores efetivos, esse será um grande desinvestimento e um risco para as unidades de conservação — afirma Minc. — Com os guarda-parques, o Rio, que era o estado que mais desmatava, agora é o maior preservador. Essa função tem que ser criada formalmente.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou, a pedido do Ministério Público Estadual (MPe), que os contratos temporários destes servidores sejam abreviados e eles, desligados ainda este ano.
Segundo o MPe, a lei estadual 4.599/2005, que deu origem aos cargos, é inconstitucional, pois não expõe com clareza os motivos que justificariam uma contratação em caráter excepcional como essa.
O Inea, porém, diz que já obteve da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) o parecer jurídico favorável à prorrogação dos contratos dos guarda-parques, e está tomando medidas para assegurar a devida dotação orçamentária.
Os guarda-parques, por sua vez, já fizeram protesto em frente ao Palácio Guanabara e, agora, aguardam o desfecho da situação.
— Fizemos todas as etapas que seriam de um concurso efetivo, com prova de aptidão física e treinamento. A prova prática foi igual à do Corpo de Bombeiros. Todos nós temos aptidão para a área ambiental, a maioria tem ensino superior e alguns estão fazendo até mestrado e doutorado. É um trabalho de luta pelas unidades de conservação que não queremos interromper — diz Thiago de Faria.


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