Adília Pires apanhou-o num dos braços principais da ria de Aveiro – o canal de Mira – e levou-o para o laboratório. Uma vez aí, esta bióloga e os seus orientadores de doutoramento, Ana Maria Rodrigues e Vítor Quintino, puseram-se a analisá-lo. Perceberam que tinham em mãos uma nova espécie de verme marinho, e agora esta equipa de biólogos da Universidade de Aveiro acaba de apresentá-lo ao mundo.
De cor acastanhada, o verme tem à volta de seis centímetros de comprimento. Cinco antenas, com umas riscas azuis, servem de órgãos sensoriais, que detectam substâncias químicas no ambiente e funcionam também como sensores tácteis.
Ao longo de parte do corpo, apresenta o que se assemelham a árvores e que, na realidade, são os órgãos de respiração (as brânquias). Ana Maria Rodrigues gosta de dizer que as brânquias parecem uns “pinheiros pequeninos”. “Pode haver quem o ache muito feio, mas para mim é um animal muito bonito”.
Até há pouco tempo, apenas se conhecia um primo deste verme marinho na Europa, o “Diopatra neapolitana”, identificado em meados do século XIX.
Na ria de Aveiro e noutras lagoas e estuários portugueses e europeus, o “Diopatra neapolitana” é conhecido pelo seu interesse económico, pois é vendido como isco na pesca. Também desempenha um papel ecológico importante: “Faz parte de uma cadeia alimentar. Aves, peixes e outros animais comem-no”, explica Ana Maria Rodrigues. Na zona da ria de Aveiro, chamam-lhe “casulo”, por uma simples razão: “Constrói um tubo e vive lá dentro. É a casinha dele”, diz Ana Maria Rodrigues.
Esse tubo é fabricado através de muco segregado pelo animal, ao qual aderem partículas de sedimentos, pedaços de conchas, algas, entre outras coisas. O tubo não se mexe, pois encontra-se preso ao chão. “O animal vem cá fora alimentar-se. Sai do tubo, mas não sai muito.”
O novo primo do “casulo” também constrói um tubo, só que é um pouco mais pequeno. Ainda antes da sua descoberta, os três biólogos já tinham encontrado uma outra espécie de verme marinho, também no canal de Mira – o “Diopatra marocensis”, até então apenas identificado na costa de Marrocos.
Quando se depararam com exemplares que se pareciam com o “Diopatra marocensis”, os cientistas portugueses entraram em contacto com uma investigadora especialista neste género de vermes. Hannelore Paxton, da Universidade de Macquarie (em Sydney), que tinha sido quem descobrira a espécie de Marrocos, confirmou a suspeita. No ano passado, esta descoberta era publicada num artigo científico.
Quando os biólogos portugueses voltaram a cruzar-se com outro verme que parecia ser de uma nova espécie, a investigadora australiana confirmou de novo as desconfianças iniciais. O artigo científico que contém esta novidade acaba de ser aceite para publicação na revista “Zootaxa”.
A nova espécie recebeu o nome de “Diopatra micrura”, e também aqui há uma explicação. Houve uma conversa entre a equipa à procura de um nome. Não quiseram escolher um que remetesse para as palavras “Aveiro” ou “Portugal”, afinal o animal poderia vir a ser encontrado noutros sítios. “Houve alguém que disse que parecia uma cobra-coral, por causa das riscas azuis nas antenas.” Como o género da cobra-coral é o “Micrurus”, assim a nova espécie ganhou a sua designação científica.
A equipa de Aveiro lembrou-se ainda de olhar para as colecções de animais recolhidas noutros pontos de Portugal, não fosse dar-se o caso de ter uma distribuição mais alargada. Tem mesmo. Também se encontra ao largo de Aveiro, da Nazaré, da baía de Cascais e de Vila Real de Santo António.
Fonte: Publico.pt
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