Alerta: não é o fim do mundo, mas pode ser o fim de muitos Estados. Antonio Marquina, catedrático de Relações Internacionais da Universidade Complutense de Madrid e coordenador do livro 'Global Warming and Climate Change - Prospects and Policies in Asia and Europe', editado em Nova Iorque, Londres e Sydney, avisa que a segurança entre vários países está em risco devido ao aquecimento global e à desertificação
Antonio Marquina, professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Complutense em Madrid, acaba de editar o livro Global Warming and Climate Change - Prospects and Policies in Asia and Europe -, que perspectiva o impacto e as consequências do aquecimento global e das alterações climáticas na Ásia e na Europa. A obra, que começou a ser preparada há três anos e tem contributos de 29 especialistas asiáticos e europeus, chama a atenção para os problemas de segurança, que vão colocar-se a nível mundial, devido à proliferação de Estados "falhados", como a Somália e o Afeganistão.
A falta de água, de alimentos e de condições de vida mínimas, nomeadamente em alguns países asiáticos e no Norte de África, provocarão novas migrações e o surgimento de mais regimes autoritários. O Norte e o Sul da Europa, dentro de 30 anos, serão igualmente duas realidades bem distintas e haverá uma profunda clivagem entre os países que hoje fazem parte da União Europeia.
No livro descrevem-se situações provocadas pelas alterações climáticas que podem colocar em causa a segurança humana. Trata-se de um alerta?
Mais que isso, é uma reflexão sobre dados científicos que temos e que conhecemos e sobre aspectos que ainda hoje nos parecem pouco compreensíveis. Ainda não sabemos ao certo as interconexões de determinados fenómenos, mas, em função do que conhecemos, deduzimos uma série de consequências muito importantes e às quais há que dar a maior atenção. Gostaríamos que os governos e a opinião pública reflectissem sobre as consequências do aquecimento global nas vidas das pessoas, já que vai ter um impacto importante na vida de milhões de pessoas. Muitos países perderão força, capacidade de governo, de fornecer serviços públicos... E outros haverá que, devido a esta incapacidade, entrarão em colapso e terão graves convulsões políticas e sociais.
Aquilo a que chama "Estados falhados"...
Sem ser alarmista - a partir de 2030 até final do século - verificamos que há problemas de uma certa envergadura que, em função de uma extrapolação sobre a aplicação das políticas de mitigação ou de adaptação que existem, vão ter consequências terríveis se não se fizer algo mais. Haverá muitos países perdedores, muitos, e também ganhadores.
A que países se refere?
Estamos a falar de países da Ásia e da periferia da Europa.
Do Sul?
Sim. O Sul da Europa vai ser o grande perdedor devido às alterações climáticas. Perde no crescimento económico, nos recursos disponíveis, na disponibilidade de água. Terá de reorientar a despesa pública e não pública para os recursos básicos que vão escassear.
Vamos ter então conflitos por causa da água, dos alimentos... por causa da sobrevivência mais básica?
Primeiro vamos ter uma nova afectação de recursos, que deveriam ser destinados à melhoria da vida da população. Essa nova gestão dos recursos será essencial para que as populações possam comer e beber e também para uma distribuição de água pela agricultura, indústria, urbanização... A redistribuição vai ser complicada e há processos que já não têm solução. Por exemplo o da água dos rios em muitos países da bacia do Mediterrâneo, no Norte e no Sul, que já registam uma redução muito significativa ao longo dos últimos 40 anos. Em Marrocos, verificou-se nas ultimas quatro décadas uma diminuição de 35% no fluxo de água dos rios.
É possível que a temperatura suba 1 ou 2 graus na próxima década? Isso agravará a situação?
Depende das zonas. Para o Mediterrâneo, calcula-se - sendo optimista - que possa chegar a subir cinco ou seis graus ainda neste século. Em 2020, a subida das temperaturas, com base em medições realizadas nos anos 50 ou 60, poderá chegar a ser de um ou dois graus. Se ultrapassar este valor, imagine-se o que vai custar a adaptação a essa nova realidade.
E quais serão as consequências para a Península Ibérica?
Vão ser consequências líquidas. Boa parte das verbas que se poderiam empregar, por exemplo para o bem-estar da população, para melhores cidades, melhor meio ambiente, para o habitat, vão ter de ser para algo mais básico, que tem a ver com a água. Mas onde vamos conseguir água suficiente para tantas pessoas?
Há dados que podem demonstrar que isso vai realmente acontecer assim?
Os dados com que trabalhamos resultam de investigações feitas ao longo de anos. Na questão da água citamos estudos feitos pela União Europeia e pelo Ministério do Ambiente espanhol para o caso de Espanha. Os mapas são projecções que se fazem da actualidade até 2030 acerca de reservas e diminuições de recursos de água que são muito significativas em todo o Sul da Europa. A água para a agricultura vai reduzir-se drasticamente porque esta tem de servir também para as cidades e para a indústria. Essa vai ser a questão mais importante para que os governos tomem decisões nos próximos anos. Já é possível calcular os gastos em dessalinizadoras, em energia para tirar o sal à água, em instalações e na depuração da água para que possa ser reutilizada.
Vamos então pagar muito caro a água e a alimentação?
Sim, vai ser muito caro.
A Península Ibérica vai desertificar-se?
Sim, a desertificação é crescente. Mas, para já, é muito mais grave o que está a passar-se no Norte de África. O processo de desertificação em Marrocos, Argélia, Tunísia, até ao Egipto, é enorme. Isso vai provocar novas migrações? A Europa vai estar mais pressionada... Sem nenhuma dúvida.
Mas, se no Sul da Europa também houver escassez de água e de alimentos, para onde vão esses imigrantes que vêm do Norte de África?
O impacto vai ser muito diferente, dependendo dos casos. Por exemplo em Marrocos, em que 44% da população vivem da agricultura, mas que é uma agricultura de subsistência, que está nos limites, qualquer subida de temperatura de um grau ou de dois graus, qualquer alteração na estação das chuvas - antes era de seis em seis meses, agora é de três em três - poderá agravar a situação agrícola que, como disse, já está a atingir os limites. A Líbia e a Argélia também estão na mesma situação. O único país que se salva, para já, a nível agrícola, é o Egipto por causa do delta do Nilo. Mas isso só será assim enquanto o nível do mar não subir. Ora, os números mais conservadores falam de uma subida do nível do mar de meio metro neste século. Há outros estudos que indicam um metro, metro e meio e até dois metros...
Neste livro, há também uma importante abordagem aos problemas da segurança provocados por estas alterações do clima. Quais são as perspectivas? Terá de haver intervenções militares?
O que sabemos é que há questões muito sérias, que vão afectar a vida das pessoas, dos Estados, da segurança estatal. Se há Estados falhados ou Estados que se debilitam muito e onde a autoridade central não chega - caso da Somália e Afeganistão - que começam a dar problemas e a afectar a segurança de milhões de cidadãos, então vamos ter de acabar por intervir. Isso é uma das coisas que dizemos neste livro. Trata-se da responsabilidade de proteger que actualmente só se aplica para casos de grandes massacres. Mas, se isto continua assim, o Conselho de Segurança da ONU vai ter de reconhecer que existe a necessidade e a responsabilidade de proteger os cidadãos de Estados que são incapazes de fornecer o mínimo, porque estão enfraquecidos, porque dependem da importação para sobreviver ou porque tem imigrações internas maciças. Estes Estados vão estar sem capacidade para enfrentar seja o que for.
Significa que vai haver uma grande clivagem entre o Norte e o Sul?
O entendimento entre o Norte e o Sul será cada vez mais difícil. E note-se que a tendência é para o agravamento dos regimes autoritários. Na Ásia, estes casos já são notórios e no Norte de África, também. Os regimes só mudam em função da alternativa que as pessoas têm para viver melhor.
E a Europa?
Partindo de um estudo e projecções de alterações climáticas graduais, é claro que os países do Norte da Europa irão aumentar o seu poder em relação aos países do Sul, que estarão mais debilitados. O equilíbrio de forças vai mudar.
As alterações climáticas tornaram-se uma prioridade dos líderes europeus. A União Europeia tem feito um bom trabalho de casa?
A Europa fez o que tinha a fazer e fê-lo inclusivamente bem na Cimeira de Copenhaga. O que se passa é que ninguém segue a Europa nesta questão. A União Europeia tem de ser mais pragmática, mais negociadora. Afirmar- -se como actor normativo não a levou a sítio nenhum. Pode ser que tenha de ser necessário reduzir um pouco as suas posições para poder convencer a China, a Índia e os EUA e chegar a acordos concretos. As políticas de mitigação e de adaptação às alterações climáticas são muito diferentes na Ásia e na Europa. Com a excepção do Japão e da Coreia do Sul, ninguém na Ásia fez ainda nada.
Fonte: Diário de Notícias
domingo, 25 de abril de 2010
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