Em meados de Março foi avistado um exemplar da gaivina-dos-pauis (Chlidonias hybrida) na lagoa do Negro, ilha Terceira. De acordo com os especialistas, a ave permaneceu no local pelo menos três semanas, o que reforça a hipótese de ter circulado por outras zonas húmidas do arquipélago. O episódio até podia passar despercebido, não fosse o facto de há 50 anos não se avistar nos Açores uma gaivina-dos-pauis...
Segundo Eduardo Dias, investigador da Universidade dos Açores, "a lagoa do Negro serviu como zona de resguardo, alimentação e protecção durante um tempo". O que permitiu depois à ave retomar a sua rota original. O episódio da gaivina-dos-pauis acabou por ser um contributo "mais para a salvação da espécie".
Mais do que tudo, esta presença veio reforçar a importância dos Açores "como plataforma no meio do Atlântico, para espécies que estão perdidas ou em viagem e param para descansar ou se alimentar". E não foi a primeira vez que apareceram espécies de outras zonas, como a águia-americana na ilha das Flores. "Existem provas da passagem de cerca de 300 espécies só nos últimos 50 anos."
A gaivina é conhecida pelo voo rasante que faz junto dos pauis para encontrar alimento, ou seja, insectos ou peixes que estejam à superfície da água. Distingue-se das suas congéneres pela associação a zonas húmidas, já que as outras gaivinas são de zonas salgadas e marítimas. Originária do Mediterrâneo e Ásia Menor, onde pode ser observada com relativa frequência, existe também em Portugal continental. Contudo, apesar de alguns zonas de distribuição confirmadas no centro e sul do país, o seu carácter de nidificação irregular torna difícil estimar o número exacto de indivíduos. Os dados do Livro Vermelhos dos Vertebrados apontam para um valor que não ultrapassa os 250 indivíduos. Apesar de não existirem grandes evidências sobre o declínio da espécie, está classificada em Portugal com o estatuto de Criticamente em Perigo. Não só pelo reduzido sucesso na reprodução, como pela crença que a população portuguesa depende também da imigração de outras gaivinas-dos-pauis.
Entre as principais ameaças inclui-se a drenagem de zonas húmidas, o habitat favorável por excelência à sua nidificação, a regularização intensiva e desajustada dos rios e outros cursos de água, que aniquila a vegetação flutuante onde a gaivina-dos-pauis faz os ninhos; ou o aumento da presença humana junto das colónias de nidificação. Por outro lado, a instalação de linhas de transporte de energia em zonas que cruzem as rotas de migração provocam algumas mortes. Um cenário que se repete com a instalação de parques eólicos.
Para que possa ser protegida é, antes de mais, essencial proteger as zonas húmidas, manter os cursos de água e vegetação associada. E podem ser criadas zonas de nidificação artificial, para atrair aves reprodutoras. Uma medida com grande sucesso em Itália, depois da colonização de habitats artificiais, como arrozais e aquaculturas. Entre as medidas de orientação do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade está também assinalada a melhoria de fiscalização sobre a perturbação, a proibição de instalação de linhas de transporte de energia nas zonas de maior importância para a espécie ou a introdução de sinais anti-colisão nas já existentes.
"Vários ornitólogos acreditam que, com as condições ecológicas necessárias do meio selvagem, as gaivinas-dos-pauis poderiam passar de visitantes casuais a nidificantes nos Açores." Mas para que isso possa acontecer é essencial que sejam renaturalizadas diversas zonas das ilhas.
Fonte: Diário de Notícias
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